Capítulo 14

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"Anos atrás"

-Olá, doutora - Lion cumprimentou.

Valentina suspirou, imaginou que algum deles viria a sua procura, mas não acreditava que seria em menos de 48 horas. Deu um passo para trás e viu o linhagem passar pela porta e entrar na pequena sala da sua nova casa.

-Preciso ter uma conversa com o marechal, acho que ele não entende o significado de segredo. A que devo o prazer da visita? - Val perguntou.

-Eu poderia ser educado e empático, seguir os protocolos sociais, mas não tenho humor para isso. Laurent está morrendo, nosso médico nos deu 24 horas, no máximo.

Por alguns segundos, Val pensou que seu coração havia começado a bombear gelo pelas suas veias, o ambiente deu duas voltas antes que ela, finalmente, conseguisse se apoiar no sofá. Val não tirou Laurent de seus pensamentos, por mais que tentasse, já tinha aceitado que em algum momento o ligaria, explicaria o que se passa e perguntaria se eles poderiam recomeçar, devagar dessa vez.

-O que aconteceu? - ela perguntou, ainda tonta.

-Você aconteceu, Valentina, a companheira dele o abandonou, entendeu?

A voz do linhagem dizendo que não seria capaz de viver sem ela começou a brincar na sua mente. Val não entendeu, naquele momento, que ele quis dizer que era de forma literal.

-Eu não... Não posso...

-Estou na pousada no fim da rua, você tem duas horas pra decidir, antes que eu volte pra Land.

A voz de Lion era bruta, fria e rígida até agora, mesmo o cumprimento soou sarcástico. Ele suspirou, não estava com raiva dela, estava desesperado, seu irmão não aguentaria muito tempo.

-Val, você sabe que não a forçaremos a voltar, assim como sabe que jamais vamos machucá-la. O medo que tem é irracional, embasado em experiências que eu não desejaria a mulher alguma, sei que não está pronta pra mergulhar de cabeça sem nenhuma visão do que te espera, mas preciso que pese os fatos. Você vai perdê-lo, Laurent não pode, fisicamente, esperar você, mas se conversar com ele, te garanto que ele vai ser e fazer exatamente o que você quer.

-Lion, eu não sei se...

-Se o ama? - Lion completou quando o silêncio perdurou - Sua reação quando eu disse que ele estava morrendo lhe deu a resposta. Duas horas, Val, sua decisão, seu futuro.

Lion deu um beijo leve na testa da pequena humana antes de sair pela porta. Ele tinha duas horas pra enlouquecer enquanto imaginava os piores cenários possíveis, mas Val precisava ficar sozinha antes de decidir e ele a deixaria fazer isso sozinha. Não se passou nem uma hora, tempo em que ele quase cavou um buraco no quarto em que estava, antes que a pequena humana batesse em sua porta.

-Vamos? - Valentina perguntou.

-Estou logo atrás de você.

Ele quis realmente dizer isso, iriam de moto para evitar o trânsito do fim de semana. Valentina sabia pilotar como ninguém, os reflexos dela são quase tão bons quanto os dos linhagens. Pela primeira vez em décadas os guardas do portão não revistaram a humana que entrava, apenas a deixaram passar, Val acelerou pelas ruas da Land como se fosse salvar a vida de alguém, o que era o que estava acontecendo. A moto mal parou de funcionar antes que ela a soltasse no chão e entrasse na casa de Laurent sem utilizar as boas maneiras, ela sabia que o linhagem nunca trancava a porta da frente, ouviu diversos lamentos de fêmeas que entraram em uma tentativa frustrada de levá-lo para a cama. Val perdeu Lion de vista em algum momento entre o portão e a casa em que estava, mas ela não se importava com isso, precisava ajudar Laurent antes que fosse tarde demais.

O quarto estava mal iluminado, a luz do pôr-do-sol não conseguia fazer seu caminho por entre as cortinas, mas ela conseguia vê-lo deitado na cama, assim como sentiu sua pele fria ao toque dos seus dedos. Esse era um péssimo sinal, Val sabia disso, linhagens possuem a temperatura corporal maior do que a dos humanos, se o frio não fosse o suficiente, o suor e os baixos batimentos cardíacos eram um indicador gritante de que ele não estava bem.

-Sinto muito, ligeirinho, não devia tê-lo deixado sozinho - ela sussurrou sem esperar uma resposta.

Não houve nenhum ruído para provar que ele a ouviu, nada além do som do vento batendo nas árvores ao redor. Val tirou a roupa, deitando ao lado dele com nada além de seu conjunto de lingerie, ela implorava que seu cheiro e toque fossem o suficiente para tirá-lo do torpor em que estava e diminuísse o frio gélido de seu corpo. Ela adormeceu alguns minutos depois, seu braço e perna direita apoiados no linhagem e com lágrimas silenciosas rolando pelo seu rosto.

O sol veio coberto pelas nuvens na manhã seguinte e Lion apareceu sem nenhuma cerimônia, acordando-a de um sono leve e cansado, trazendo o café da manhã e um kit de primeiros socorros. Ela ignorou a pouca roupa que vestia e examinou Laurent, segurando as lágrimas logo depois que descobriu que ele não havia melhorado em quase nada.

-Não desista, ele não vai acordar porque você esteve com ele durante uma noite, seus instintos precisam de mais, precisam confirmar que você não é uma alucinação - Lion falou - Estarei de volta ao meio-dia, trarei seu almoço e algumas roupas.

Val assentiu, sua rotina seria essa pelos próximos três dias, quando estava bem perto de entrar em desespero, Laurent começou a reagir, não havia acordado ainda, mas sua temperatura corporal melhorou e começou a ter pequenos momentos lúcidos. Na madrugada do quarto dia ele a acordou, Laurent fazia carinho em suas costas enquanto ela dormia e o toque a fez despertar.

-Você voltou - ele sussurrou.

-Eu iria voltar, sempre soube que iria voltar.

-Mas não tão rápido.

-Não, por você vale a pena mudar meus planos. Volte a dormir, você assustou o inferno dentro de mim quando o encontrei, estarei aqui pela manhã.

-Eu te amo, Val.

-Sei disso, mas preciso de mais algum tempo para entender o que sinto, só não quero vê-lo morrer.

-Temos todo o tempo do mundo.

Linhagens - LaurentOnde histórias criam vida. Descubra agora