Capítulo 4: Failure

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Mais uma vez, ao chegar ao prédio, seu Antônio me interpelou quando o cumprimentei.

— Você está me devendo, hein! Eu não esqueci.

— Um dia eu vou te pagar, seu Antônio, e vou gostar de fazer isso, mas não vai ser agora.

— Eu vou saber o momento certo de te cobrar.

Subi quando mais colegas chegaram, e aquela parecia uma semana promissora. Eu estava doido para ver o chefe depois dos quase beijos da noite de sexta. Eu já o imaginava sério, pegando no meu pé por causa de detalhes, e esbarrando as costas da mão em lugares que só eu sabia e sentia. E aqueles dedos... Delícia de dedos. Será que alguém mais tem tesão em dedos?

Eu não tinha me esquecido, é claro, do que Petrus tinha falado, e ao contrário da iludida da Marcela, ele era realista e sincero. Meu patrãozinho já tinha sido mais amoroso no passado, e não estava sendo assim comigo. Rolou um mal-estar até eu pensar que talvez, se eu trabalhasse num restaurante ou em qualquer lugar fora de seus domínios, ele estaria sendo mais romântico e atencioso. Talvez a gente ficasse juntos, e como tínhamos alguns gostos em comum, talvez a gente até namorasse... Não foi difícil imaginar o resto.

Álvaro chegou mais tarde e eu notei que ele estava diferente. Parecia cansado. Depois Petrus me confidenciou: o patrão tinha voltado a malhar, e estava sentindo o desconforto dos primeiros dias. Seu Antônio também comentou isso, e mais alguém, entre risinhos. A vida particular de Álvaro era motivo de especulação como se ele fosse uma celebridade.

Mais tarde o vi fazer uma careta ao se sentar, e como sou curioso, não pude deixar de perguntar:

— O senhor está bem?

— Sim. É só um efeito negativo da malhação.

— É a primeira vez?

— Não. Mas tinha algum tempo que eu não enfrentava a academia.

— Legal. Eu queria ter tempo para... — Recebi uma ligação no telefone de trabalho e fiquei nervoso. — Droga, esse cara de novo!

— O que há?

Era um cliente enchendo o saco, a meu ver, sem razão. Álvaro pegou o telefone e conversou com o homem enquanto eu torcia as mãos, um gesto que acabei copiando dele. Eu já estava esperando pelos puxões de orelha, pois, com certeza Álvaro encontraria um jeito de me responsabilizar pelo problema.

A conversa durou bastante, e quando desligou, Álvaro não fez nenhum comentário. Saiu da sala e voltou minutos depois com uma xícara de chá. Colocou-a na minha frente.

— Você é um tanto ansioso, não?

— Um pouco. O que aquele cara falou?

— O chá ajuda a acalmar. Esse é de camomila.

Impedi uma careta a tempo de ele vir. Eu não gostava de chá de camomila. Mas agradeci, peguei a xícara e tomei alguns goles.

— O que ele falou? — Insisti.

— Que você tem covinhas nas bochechas. — Ele sorriu e eu acabei rindo.

— Mentira!

— É verdade. Eu estou vendo e posso confirmar.

Tomei o chá. Quando terminei, Álvaro pôs sobre minha mesa um bloquinho de recados com várias coisas que eu deveria fazer. Folheei o bloquinho e encontrei entre as tarefas uma no mínimo desafiadora: eu deveria fazer a nota do cliente que havia acabado de ligar. Fechei os olhos e respirei fundo. Senti aqueles dedos apertarem meu ombro direito, e o dorso da mesma mão roçar de leve meu rosto. Ele estava atrás de mim.

Não deixe para amanhã (Amostra de 14 capítulos)Onde histórias criam vida. Descubra agora