Capítulo 2: Dedos longos e atrevidos

242 39 25
                                    


— Estou estranhando o Álvaro esse trimestre — disse Petrus, meu colega de trabalho. — Ele não planejou nada para o nosso café especial. Seria hoje, não?

— Pois é. Cadê os croissants, os folheados, os sucos de fruta? Cadê o peito de peru, o pãozinho de queijo? Lá na mesa só tem café. Nem um biscoitinho.

— Cacete. Nem tomei café em casa guardando a barriga para o grande dia. E não tem nada! O patrão anda meio aborrecido.

— Isso é óbvio.

Marcela e Petrus trabalhavam no sistema da empresa enquanto eu digitava contratos tentando não cometer erros idiotas como das outras vezes. Mas aquele papo sobre comida estava me desconcentrando. Como assim tinha café da manhã especial a cada três meses? Eu estava completando três meses na casa e não tinha visto nada daquilo. Provavelmente o último tinha sido na despedida de minha antecessora, de quem todos, inclusive Álvaro, se lembravam com saudades.

Às vezes eu ouvia aquela dupla dizer que o Álvaro estava insatisfeito. Eles não diziam o motivo, mas só podia ser a minha chegada. Eu tinha entrado animado com a ideia de fazer um bom trabalho, mas no fim de um mês eu estava completamente quebrado. Tinha feito bons contatos, é verdade, e não seria difícil conseguir outro trabalho se aquele não desse certo, mas a perspectiva do fracasso é sempre ruim. Ali naquela empresa de distribuição, apesar dos constantes olhares do meu patrão nos meus olhos, no meu cabelo, imagino que também na minha bunda, eu não tinha nenhum privilégio. Me arrisco a dizer que eu ficava no prejuízo. Ele não me perdia de vista, e qualquer passo em falso, qualquer vírgula fora do lugar, ele me puxava as orelhas e me obrigava a refazer tudo.

Naquela manhã, porém, ele chegou mais tarde e mais sorridente. Pediu que Sandra reunisse todo o pessoal no salão de reuniões às dez horas. Notei que ele ficava vermelho quando tinha que falar para várias pessoas, e que sua timidez não era coisa da minha cabeça. Sandra, uma antiga recepcionista promovida a "gerente de recursos humanos" e "relações públicas" se encarregava das cerimônias. No escritório, uma mensagem automática foi programada para atender aos clientes até as quatorze horas.

— Bem, pessoal... — Álvaro estava impecável no centro do salão, torcendo as mãos nervosamente. — A nossa reunião, não é? Eu não me esqueci, apenas não tive tempo para organizar. Muitos clientes, a maioria novos, muitos contratos. Isso é bom, mas vocês já conhecem a nossa filosofia: atender bem para continuar atendendo. Não pretendemos ficar famosos, ter fila de espera. Não somos uma empresa de fast-food...

Ele continuou com seu discurso e eu com a impressão de que boa parte daquela conversa era para mim. Além de constrangido, me senti um pouco orgulhoso. Eu tinha toda a atenção do chefe.

— Nós sempre fomos democráticos, então esse é o momento de ouvi-los. — Ele falava no plural apenas para parecer inclusivo, pois não havia nenhum sócio. — Quem quer começar?

Ele abriu espaço para o pessoal falar. A maioria falava como se tivesse acostumado, eu fiquei na minha. Ele me pediu diretamente, na frente de todos, que eu expusesse minhas ideias, mas depois das rasteiras que tinha tomado ao longo daqueles três meses, preferi não dizer. Apenas agradeci a oportunidade e disse que eu era muito novo para isso.

— Mas você tem ideias interessantes, ainda que imaturas. Podemos falar sobre elas agora, sem medo ou vergonha.

Preferi não falar nada. Enquanto isso, o povo falou e falou, e a reunião se estendeu por algumas horas. No fim, Álvaro voltou ao centro:

— Bem, hoje perdemos o horário do café da manhã, mas não fiquem tristes. Eu tenho uma ideia que acho vocês vão gostar: que tal um almoço numa churrascaria? Rodízio! Que tal?

Não deixe para amanhã (Amostra de 14 capítulos)Onde histórias criam vida. Descubra agora