Capítulo 14: Continuação

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— Você acha que alguém vai notar? — Estávamos Nayara e eu sentados no meio-fio olhando para a porta do carro de mamãe, mais brilhante que a pedra do anel de Álvaro, meu patrão.

— Que uma porta do carro está polida e brilhante enquanto o resto do carro está sujo? Não, querido. Ninguém vai notar.

— E qual é a ideia? Lavar e polir o resto do carro? Mamãe vai acordar meio-dia amanhã. Dá tempo.

— E como você explicaria isso? Você costuma levar o carro dela pra lavar?

— Você não está ajudando.

— Só tem uma solução, nego. Nem adianta correr.

Ficamos nos encarando até que eu entendi. Sorrimos um para o outro e falamos juntos:

— Sujar a porta de novo!

— Exato! E tem que ser um trabalho minucioso.

Contar para a mamãe que eu tinha voltado para casa com um arranhão no carro dela e o levado até um conhecido para polir estava fora de cogitação.

— Com lama?

— Poeira. Não choveu hoje.

— É verdade. — Peguei terra no canto do calçamento e arremessei contra a porta. Não aconteceu nada. — Isso vai dar trabalho.

Jogamos mais areia no carro e nada. Tive uma ideia: peguei a garrafa de água que eu tinha deixado lá e molhei a mão. Fiz respingos na porta enquanto Nayara jogava a areia. Estava sendo um trabalho em dupla bem sincronizado.

Meu celular estava vibrando no bolso, e como havia grandes chances de ser mamãe, eu limpei a mão na bermuda e o peguei. Mas não era mamãe.

— É o Álvaro — resmunguei. Desde que eu tinha encontrado o risco na porta do carro, ele tinha se tornado um problema menor.

— Que ótimo! Chama ele pra ajudar.

— Má ideia. Ele é... Espera, eu vou atender.

Me afastei um pouco porque aquela conversa ia ser desagradável.

— Olá, senhor Álvaro. Como vai?

— Eu tô bem. E você?

Pelo barulho ao fundo, ele estava dirigindo.

— Você tá viajando?

— Não, só passeando de carro. Estou por perto. Alguma chance de te ver?

— Espero que você não esteja me trazendo iogurtes.

— Não estou. Você jogaria tudo fora, o que seria um desperdício.

— Você está perto... Onde?

— Muito perto.

Ergui o olhar para a rua, vi um carro parecidíssimo com o dele passando devagar.

A rua onde Nayara morava, que era onde morava também o dono de uma oficina de fundo de quintal, era aquela por onde se passava para chegar à rua sem saída onde eu ficava a minha casa. Era de se esperar que Álvaro passasse por lá se estivesse indo atrás de mim. Para não fazer papel de doido, mais do que já fazia, esperei o carro passar para me certificar de que era realmente ele. Só então respondi.

— Acabei de te ver passar.

Nayara notou a direção de meu olhar e riu.

— Onde você está? — O carro de Álvaro praticamente parou na rua.

Não deixe para amanhã (Amostra de 14 capítulos)Onde histórias criam vida. Descubra agora