Kássia colocou o tênis às pressas e os fones em seus ouvidos zumbiam em uma música alta com um grave forte. Ela olhou mais uma vez para a sala, curvando as costas para trás, possibilitando ver antes da parede que estava ao seu lado, além dela estava Janice ainda mexendo no notebook, organizando a própria agenda. Depois da confirmação, Kássia virou-se para a porta, ajeitou a mochila no ombro e engoliu o resto do pão que restava na sua boca.
O ar do lado de fora estava um pouco mais quente do que esperava, por isso abaixou-se um pouco para subir o pedaço da calça jeans que arrastava no chão. Esse movimento fez a mochila deslizar pelas suas costas em direção ao chão, mas a tempo ela ergueu o corpo. Kássia olhou para as pessoas na rua e viu o senhor da última casa que ficava na esquina, ele estava cortando as moitas do jardim. Ela acenou para ele acompanhando o ato com um pulo, ele não a correspondeu, mas talvez por não a ter visto. Kássia voltou os olhos para o relógio em seu pulso, conferiu as horas e deu as costas à esquina à sua esquerda.
Ela não pretendia correr, e não o fez. A música alta no fone transformou-se em um chillhope¹ que a fez esquecer o mundo ao redor - mesmo que preferisse prestar atenção nele por esses tempos. Faltava brisa nesta manhã, devido a isso sentia o cabelo colorido fazendo calor na sua nuca e, por reflexo, puxou a xuxa do bolso para prender ele. Geralmente, a ida de casa para a escola durava vinte minutos e isso nunca foi um grande problema. Às vezes, colocava as pernas para trabalhar, corria e chegava nos portões em dez minutos. No entanto, hoje não era dia de fazer isso.
Quando viu a escola, percebeu em frente às muretas do colégio Diogo, que fez a própria presença e acenou grandemente - os braços dele eram longos - em direção a Kássia. O máximo de esforço que ela fez, em contrapartida, foi dar dois passos mais rápidos no intuito de alcançar ele, mas algumas passadas ainda faltavam, o que deu tempo para outras pessoas a cumprimentarem e Kássia respondê-las educadamente.
Diogo parecia curioso, então Kássia sequer o cumprimentou.
- Tem uma novata na escola, três semanas após o começo das aulas. Uh, acha que ela foi expulsa da antiga escola? - Fantasiou ele.
- Talvez os pais dela tenham se mudado em busca de emprego - respondeu.
Ele fez cara feia, mas não rebateu, porque foi obrigado a reconhecer a realidade e admitir a si mesmo que era o mais provável.
- Ela poderia ser uma delinquente - disse ele com a voz para dentro devido a expressão emburrada. Kássia riu dele.
- Ela pode ser uma delinquente - confirmou.
Ele sorriu. Diogo gostava quando Kássia o dava esperanças sobre coisas idiotas e sem sentido, principalmente porque ele tinha quatro irmãos que só ignoravam suas esperanças. Ele gostava que ela tivesse reconhecido a sua pequena felicidade de cada dia.
- Eu estava estudando umas coisas... - Kássia disse de repente, jogando a mochila para frente e pescando o caderno de anotações. Um caderno velho, de capa marrom e folhas amareladas, mas que ela amava e continuava arranjando um jeito de colar folhas de papel lá. Diogo quis revirar os olhos, ele não partilhava desse entusiasmo sobre as aulas. - Eu queria fazer um daqueles experimentos de espelho do livro, você poderia me ajudar? Acho que a gente pode comprar uns espelhos, ou algo assim.
- Hoje? Hoje não. Hoje eu tenho que sair com meus irmãos, algo de paintball ou sei lá o que, entre os homens - ele respondeu, sentindo-se triste de verdade.
Diogo preferia sair por aí perguntando coisas sociais na rua com Kássia do que ficar com as coisas dos irmãos que, na maioria das vezes, vivem situações violentas por diversão. E isso não divertia Diogo, ele, na verdade, rejeitava violência.
- Oh, sério? - Ela virou os olhos para ele. - Então vai ser divertido. Queria participar, mas eles não gostam quando eu vou.
"Você estraga a competição deles", Diogo quis dizer, mas apenas entrou na sala que ambos estudavam e se dirigiu aos lugares usuais, ouvindo alguns comprimentos e respondendo-os. Kássia e Diogo deram um tempo da conversa, ela pegou o caderno para conferir a aula que se passaria e as próprias anotações; ele pescou o celular no bolso para editar fotos tiradas anteriormente. Como de costume, a professora entrou como um ratinho acanhado no meio de gatos, colocou e organizou os livros sobre a mesa com o mesmo cuidado de sempre, por isso, nenhum aluno prestou atenção em sua movimentação.
No entanto, hoje não foi um dia de costumes. As conversas foram cessando aos poucos, mudando de foco e tornando-se murmúrios baixos. Alunos se sentiram motivados para pegar os cadernos e estojos. Kássia ergueu os olhos por um segundo qualquer e viu uma menina ao lado da professora balançando as mãos, depois os voltou ao material sobre a mesa para arrumá-los.
- Oh, paizinho do céu, ela é muito fofa. Que roupa meiga - Diogo comentou sem pretensão, jogando o celular na mochila para tentar prestar atenção na aula.
Kássia ergueu os olhos a tempo de a professora começar a apresentar a nova aluna que estava na sua classe. Do lado dela estava uma pessoa familiar. Kássia sentiu um reboliço no estômago e no coração, então franziu as sobrancelhas e apoiou as costas na da cadeira. Diogo falava algo sobre o seu tipo ideal, bem no pé do seu ouvido, mas nada a fez tirar os olhos da jovem em pé por minutos.
Essa pessoa familiar era diferente. Sem maquiagens, sem acessórios, usava uma mochila de cor marrom nas costas e uma camisa social branca qualquer; um casaco fino de crochê no tom bege pastel e uma saia da mesma cor. Meias calças 3/4, o que Kássia achou cafona e que ela sabia que algumas meninas da sala estavam caçoando da menina em suas conversas. Os olhos dela, quando os caçou, olhavam-na também, mas não carregavam nada do que tinham da última vez que se viram. Os cabelos castanhos foram presos em um coque frouxo. Um coque frouxo. Era uma piada, por acaso? Que diabos de visual é esse?
Não participou do começo da aceitação da turma, não tinha nada o que aceitar nessa situação ou essa colega "nova" de classe. Com impaciência, calou a boca de Diogo esbravejando um "shii" que fez metade da sala fazer o mesmo com o susto; a professora deu uma pausa na fala monótona devido a perturbação inesperada, mas continuou o discurso de boas-vindas logo após ter Kássia sorrindo envergonhada em sua direção. No final, a garota se pronunciou.
- Eu sou Myllena Barroso, é um prazer conhecê-los - ela sorriu sem graça. Isso era confuso para Kássia, Myllena não era do tipo que ficava sem graça. - O resto a professora já disse.
Calorosos, os outros alunos apresentaram lugares para ela sentar. Havia uma vaga no fundo da fileira onde Kássia estava e outra na terceira a partir dessa. Myllena caminhou na direção de Kássia, sabe-se lá para quê. Quando ela abriu a boca para falar com ela, Kássia, por impulso, abaixou a cabeça para o caderno e a ignorou. A cena causou um pequeno alvoroço nos outros alunos, ela bem sabia, que estavam analisando a cena como corvos famintos por carniça. No entanto, ela não queria se importar com isso.
De todas as pessoas daquele maldito lugar, a única que não poderia estar ali era Myllena Barroso.
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Retalhos de Nós
Roman pour AdolescentsKássia Muller já foi uma criança inocente e pura. No entanto, ao demonstrar sua forma tímida e pura de amor, seu mundo desabou e a pessoa a quem entregou seu coração tornou-se apenas uma névoa branca longe de seu alcance. Não foi difícil entender co...