Noite
23:36Eles caminharam lentamente, Diogo deu um abraço em Myllena antes de correr pela direção dele. Kássia nem acenou para ele, a Barroso achou isso idiota, mas também não sabia como contestar sua decisão. Então, ela seguiu os passos vagarosos e silenciosos da de cabelos azuis.
Com paciência, Kássia Muller parou em frente à estrada que cruzava o campo de grama da casa da avó de Myllena. A Barroso só percebeu que haviam chegado quando notou os tênis surrados e sujos de Kássia parados. Seus olhos subiram pela calça preta e, um pouco acima, notaram as mãos dela enterradas nos bolsos da jaqueta. Por fim, o rosto com a bochecha inchada a observou por um breve momento antes de voltar a encarar a casa.
O silêncio se estendeu enquanto a brisa gelada soprava, como um sussurro gentil que preenchia o ar. Myllena notou a postura retraída de Kássia, o pescoço inclinado e os ombros curvados, projetando uma fragilidade silenciosa sob a luz do poste. Os hematomas no rosto — bochecha e nariz já perto do roxo — e os cabelos presos de maneira desengonçada completavam a imagem de cansaço e desânimo, ocultando até mesmo a expressão sob um dos cachos desalinhados.
Myllena sentia que a situação estava muito além de um simples desconforto. Ninguém lhe explicou o quanto aquele evento no Trailer era relevante. Embora ingênua em alguns aspectos, sabia ler as entrelinhas e percebia que algo muito maior pairava no ar, uma tensão que lhe atingia como uma avalanche de memórias incômodas. Por isso, abriu a boca e a fechou repetidas vezes, buscando as palavras certas para pedir desculpas — independente de ser ou não sua culpa.
Kássia sabia, no entanto, que o que sentia tinha raízes muito mais profundas do que a briga no Trailer — um evento que já havia se repetido pelo menos umas três vezes desde que chegou à cidade. Por isso, apesar de todos os sentimentos conturbados, parecia ser seu dever esclarecer essa situação. Mesmo decidida, contudo, encontrar sua própria voz parecia uma tarefa quase impossível.
— Olhe... — Kássia começou, mas ao perceber a garganta arranhar e a voz lhe trair, tossiu brevemente, limpando a garganta. Myllena sentiu como se a voz dela soasse como um trovão. — Sobre hoje... Esqueça, beleza? No fim tá tudo certo.
Aquilo pareceu deixar o ar ainda mais gelado, e Myllena esfregou as mãos, o coração disparado e o desespero tomando conta. Seus olhos perdidos vagaram ao redor, refletindo a mente que buscava palavras. Gostou de ser o centro das atenções, de se sentir atraente... mas, quando Mikael deixou claro que só queria provocar Kássia, Luís e Diogo, ela se sentiu um pouco suja, de certa forma ingênua. No final, todos saíram surrados. Para ela, era como se tivesse machucado Kássia de novo, como reviver aquelas cenas da infância enquanto assistia, impotente. Quantas vezes Kássia Muller teria que ser a heroína das pessoas? Ela só entrou na luta por causa deles.
— Desculpa... — murmurou. — Não tive intenção de dar bola pra ele. Eu não queria que acabasse daquele jeito... Eu...! — disse, olhando para os lados sem saber como ordenar os pensamentos. Mas, mesmo entre as pausas, só encontrou silêncio. O tipo de silêncio incomum que a fazia sentir Kássia tão distante. Foram tantos dias, tanta baboseira, pra conseguirem conversar de novo e agora... Ela não conseguia imaginar ver Kássia Muller ir embora de novo.
— Foi mal mesmo, por tudo, eu... — a confusão a dominou, e ela cobriu o rosto com as mãos trêmulas. — Sério... Eu não sei por que fico repetindo... Desculpa, eu não queria estragar isso pra você... Merda...
Kássia, que acreditava que tudo estava acabado, arregalou os olhos ao ouvir Myllena. Percebeu o som da respiração acelerada, as palavras emboladas, as lágrimas discretas escorrendo pelo rosto da outra. Por um segundo, sentiu uma rachadura em seu coração. Sua mão, antes abrigada no bolso, se estendeu automaticamente para a mais baixa, os dedos tremendo antes de parar, hesitante, e voltar o olhar para o chão. Não era sobre a briga ou sobre Mikael; era sobre o que as duas já haviam vivido. Kássia fixou os olhos na própria mão, perguntando-se o que significaria confortar Myllena agora. Deixaria que tudo aquilo que havia mantido distante voltasse e a quebrasse de novo?
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Retalhos de Nós
Teen FictionKássia Muller já foi uma criança inocente e pura. No entanto, ao demonstrar sua forma tímida e pura de amor, seu mundo desabou e a pessoa a quem entregou seu coração tornou-se apenas uma névoa branca longe de seu alcance. Não foi difícil entender co...