9 - Pegando no pé: poder e percepções

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- Essa é sua grande ideia? - Diogo perguntou a Kássia enquanto ajudava a pegar uma embalagem de arroz com verduras congeladas do freezer. A jovem segurava um pequeno salgadinho e estava apoiando a bunda no freezer para não fazer muito apoio com o pé. O rapaz, enquanto segurava algumas embalagens do mesmo produto, virou a cabeça na direção da jovem extra em suas missões. - Fazer Myllena de babá?

Kássia Muller olhou para ele enquanto escolhia um salgadinho maior dentro do pacote, depois desviando os olhos para Myllena Barroso.

- De empregada - ela rebateu, mas olhou para ele zangada quando percebeu o que ele disse - 'Cê tá vendo uma criança onde? Arrombado!

Kássia jogou nele um dos quadrados salgados do pacote, o rapaz ficou zangado quando teve que recolher o pedaço do chão e o colocar no bolso para evitar a sujeira. Ele balançou a cabeça negando suas atitudes, porém os seus olhos pararam na jovem que começava a caminhar até eles e que possuía uma expressão inocente. Ela levantou as mãos indicando os três cereais que escolheu, caminhando confiantemente para o carrinho ao lado de Diogo. O rapaz franziu a sobrancelha para a embalagem na mão da menina e isso fez com que batesse uma de suas mãos batendo no braço de Kássia, pois ele havia notado algo inusitado. A Barroso havia escolhido de modo certeiro o cereal que Kássia comia. A Muller apertou os lábios, olhando irritada para o amigo no intuito de alertá-lo para ficar quieto e não fazer alarde.

- Vai precisar de mais alguma coisa? Ou posso te deixar em casa? - Myllena perguntou a Kássia.

Diogo limpou a garganta com uma tosse rápida, deixando os frios no carrinho.

- Acho que sim. Estou aqui apenas para pagar mesmo, então vamos - ele afirmou, pondo-se a empurrar o carrinho.

Myllena não entendeu porque ele falou desse modo e parecia distraído, mas logo se virou para Kássia a fim de ser o apoio dela. Sua colega, no entanto, não a deixou fazer isso e, na verdade, lhe entregou o papel do salgado vazio. A Barroso não entendeu porque Kássia parecia aversa a olhá-la, ela nem usou o olhar de deboche em sua direção. Preocupada, a de cabelos castanhos seguiu os passos da mais baixa com pressa, tentando estender a mão para que ela deixasse tocá-la para ajudá-la a se apoiar, o que não aconteceu de jeito nenhum.

Diogo, como disse, fez o pagamento usando o cartão de Kássia e logo na saída deu um "tchau" rápido ao par de garotas. Ele tinha assuntos para resolver sobre o trabalho que seu irmão havia arranjado para ele, logo Myllena ficou para trás com sacolas nos braços e mochilas em suas costas dividindo espaço. Ela estava consternada, claro, já que teve que atravessar o caminho do mercado até a casa de Kássia a pé junto com Kássia sem que trocassem uma palavra amigável.

O céu estava claro e havia sol, o que não seria problema, caso ela própria não estivesse rebocada de coisas para carregar. Myllena conseguiu o suor começar a vazar e suspirou, insatisfeita. Kássia parecia alheia às suas reações e suas dificuldades.

- Por que diabos vocês não usam uma bicicleta? - Ela murmurou já na metade do caminho, ajeitando uma sacola no seu mindinho enquanto sufocava com as alças das mochilas.

Kássia finalmente a olhou, de lado, dando um pulinho breve com a perna boa. As mãos entraram nos bolsos da saia do uniforme enquanto ela virava o rosto em sua direção, a borda de um sorriso de lado do tipo de quem estava se divertindo surgiu como uma serpente nos lábios marrons.

- Difícil demais para a menininha da vovó? - Ela fez uma expressão de pena falsa - Devo chamar um táxi para levar a madame em casa? - Ela disse, em provocação.

Myllena franziu as sobrancelhas, por pouco ela não soltou as malditas sacolas no chão e largava Kássia para trás. Vários xingamentos passaram pela mente dela e até pensamentos homicidas.

- O que você quer dizer sobre minha avó? Ela não me mima! Ela só é prática. A escola é longe demais para ir a pé! - Rebateu, irritada. Sua voz expressava que ela achava que a outra estava falando asneiras.

- Prática? Aposto que ela não tem nada para fazer em direção a escola - a de cabelos azuis disse, virando o rosto e voltando a andar daquele jeito que protegia uma perna: esforço máximo em uma, mínimo em outra.

- Você só tem raiva que sua tia não leva você - Myllena disse de modo ácido, mas tomou a dianteira para alcançar logo suas casas com passos apressados e irritados.

Kássia franziu as sobrancelhas, depois as levantou, revirando os olhos por último. Que os deuses a ajudassem, mas essa garota poderia ser mais infantil que isso? Kássia quis rebatê-la, dizer que Janice tinha muita coisa para fazer para pagar as contas e uma das coisas que podia fazer por ela, que a havia adotado de tão boa vontade, era ir para a porra da escola a pé. Nem era longe de verdade. A Muller não morreria por andar um pouco todo dia, morreria? Vendo-a assim, sua mente só pode reafirmar que avós são realmente outra coisa em mimar crianças. Se Kássia pudesse levar as sacolas e a mochila, ela faria, mas seu joelho já estava doendo e isso drenava as energias dela. Embora seu orgulho parecesse estar em jogo, mesmo que Myllena chorasse em sua frente sobre estar carregando peso, o que ela mesma poderia fazer? Vê-la caminhar mais rápido só foi gatilho para Kássia caminhar mais devagar.

Elas continuaram caminhando pela calçada até ficarem próximas de uma rua que deveriam atravessar antes de entrarem na quadra de suas casas, Kássia viu que Myllena não desacelerou os passos e sequer virou o rosto para olhar a rua. A mente da azulada mandou várias cenas similares em sua mente de eventos passados, como num dia que ela quase foi atropelada ao correr atrás de uma bolha de sabão. O coração de Kássia se prendeu naquele momento e, esforçando-se, ela disparou em uma corrida rápida em direção a Barrosa para agarrá-la pelo ombro. Enquanto um carro passava na frente, Myllena se assustou com o contato repentino, fugindo para o lado, acabando por largar as sacolas das mãos. Kássia a olhou, também assustada, mas o momento foi muito rápido, pois algumas comidas caíram, como a caixa de leite que se abriu e inundou o chão com o líquido.

Depois do breve choque, com o coração em uma corrida, Kássia deixou a raiva subir a sua cabeça instantaneamente.

- Qual a porra do seu problema? - Ela gritou estressada - 'Cê quer morrer, porra?

Myllena pareceu perdida no que dizer, a expressão agonizando em um pedido de desculpas; lentamente os olhos dela baixaram para as compras no chão com um olhar vazio. Uma mulher viu a confusão e se aproximou para tentar ajudar, dali Kássia sequer exigiu qualquer coisa de Myllena. A Muller perguntou se a mulher tinha alguma sacola disponível, tirando as coisas da inundada e realocando na que havia acabado de ganhar, depois pediu uma toalhinha ou guardanapo e ajudou Myllena a limpar a calça sem dizer uma palavra. A expressão dela durante todo o processo era algo mortal.

Por último, ela verificou que até então estava tudo bem e se despediu da mulher, agradecendo com firmeza e um sorriso forçado. A mulher as avisou para terem cuidado antes de ir embora, fazendo com que Kássia a agradecesse novamente. Antes de continuar o percurso, ela ainda arrancou de Myllena todas as sacolas e própria mochila, a acastanhada buscou pará-la, mas parou na metade das ações ao perceber que a outra estava realmente irritada.

A intenção da de cabelos azuis era chutar Myllena na cara da avó assim que a velha bruxa abrisse a porta, mas quando ela chegou lá a sua perna reclamava tanto que sua animação de uma breve vingança foi consumida por mais raiva e ela só queria deitar e descansar. Então, ela não parou para se despedir ou esperar a idosa abrir a porta, caminhando penosamente até a própria casa e entrando sem nem dedicar um olhar para trás. Kássia largou todas as compras perto do sofá e subiu para o próprio quarto, xingando baixo pela dor.

Enquanto terminava um banho e se preparava para se jogar na cama, ela pensou que talvez o carma da vida fosse grande, pois Myllena parecia uma doença irritante que explodiria tudo em Kássia. A garota era mais irritante do que Luís respondendo algo errado com cem por cento de certeza de que ele é o dono da verdade. Deitada na cama, largando-se confortavelmente, ela pensou que essa história não valia a pena já que era mais provável que a Barroso fosse tão inútil que não poderia ajudá-la quando ela precisasse e não estivesse apenas fingindo. No fim das contas, o julgamento de Diogo estava certo. Era uma ideia idiota e improdutiva contar com essa garota.

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