O clima pela manhã estava limpo. Poucas nuvens no céu azul, sendo elas apenas pontos espalhados. Tão cedo pela manhã, por volta das seis horas, não havia motivos para alarde sobre a temperatura e Kássia não se importou em mascar um chiclete, encostando-se na cerca branca da casa de Myllena enquanto ouvia música e digitava vigorosamente no celular, respondendo uma conversa. Ela estava esperando, claro, pelo seu trunfo: conseguir fazer a Barroso se auto humilhar na frente da escola inteira em troca de algumas notas a mais. Sua psicóloga disse que isso é motivado por rancor e que, no fundo, como sua personalidade realmente é, talvez isso não seja o que a Muller quer. Porém, toda vez que pensa nisso, ela morde o chiclete, faz uma bola e a explode, como se isso fosse explodir a imagem da mulher de trinta anos que a ajuda há tanto tempo.
Não demorou muito para que a porta após o caminho de cimento fosse aberta e Myllena saísse da casa. Sua aparência, decerto, não era a mais natural que ela já apresentava, considerando que estava usando maquiagem sutil com tons de rosa que a deixavam fofa, acessórios como brincos e um colar dourado, roupas mais bonitas que a casual por cima da farda escolar. Desde que ela havia chegado, não havia feito uma produção tão caprichosa, porém ela pensou que se estivesse bonita o suficiente, as pessoas iriam gostar dela ao invés de rirem dela e espalhar boatos desagradáveis. Por dentro, seu estômago revirava o suco gástrico. Sua avó, ao vê-la e receber a notícia de que mais uma vez não levaria a neta para a escola, esforçou-se para caminhar e ver quem vinha buscá-la com preocupação que fosse algum moleque malandro. Para a velha, infelizmente, foi pior.
Kássia não prestou atenção, pois estava olhando o celular. Quando a idosa a viu, apressou os passos e desceu um tapa na cabeça de cabelos azuis, assustando-a. Kássia virou para olhar a bruxa, completamente chocada. Myllena apressou-se para tentar segurar a mulher mais velha.
— O que você está fazendo! — Ela reclamou — Levando minha neta para o caminho errado!
Ela deu outro tapa na cabeça de Kássia, que se encolheu, sem saber se ria ou chorava. Sua rixa com a senhora Barroso vinha de várias situações, desde a velha rasgar um avião de papel que caiu no lugar errado, à terem se encontrado enquanto Kássia caminhava de mãos dadas com uma garota, até a senhora ter visto a adolescente comprando indecências com seu amigo Diogo. Às vezes, a senhora até resmungava de suas roupas, sem saber se a chamava de "sem vergonha", devido a exposição, ou "mulher de defunto", devido às cores escuras. Era esperado que ela tentasse expulsar Kássia de perto da sua neta, por isso a Muller não fez nenhum movimento grande, porém sua expressão estava azeda. A idosa claramente não podia machucar ela, mas ela também não queria ficar apanhando repetidamente. Para se situar melhor no gatilho de a senhora ter extrapolado essa vez, Kássia dirigiu os olhos castanhos para Myllena e quando alcançou o outro rosto, quis engolir em seco, desacreditada.
Myllena Barroso estava indo para a porra de um encontro? Ela tinha merda de passarinho na cabeça? A insinuação... Sua avó deve estar infartando por dentro. Céus.
— Vó! Pare com isso, as pessoas estão olhando! — Myllena insistiu, abraçando a senhora para tentar impedi-la de continuar atacando Kássia.
A de cabelos azuis estava irritada, então a Barroso temeu que ela jogasse, ambas, ela e sua avó, no chão. Porém, tudo que a outra fez foi se afastar da mão da senhora com uma ida para trás e revirar os olhos.
— Eu não estou abusando da sua neta, se é isso que você acha. Veja! — Ela apontou para a cobertura em sua perna — Isso foi um amigo dela que fez! Você deveria estar preocupada com essa amizade, não comigo.
A velha ranzinza não amaciou a expressão, provavelmente pensando que aquele machucado deveria ter sido atraído de alguma forma. Sem paciência para mais disparates, Kássia pegou a própria mochila e puxou Myllena pelo pulso, caminhando a passos pesados e pouco firmes para seguir o caminho até a escola. Dona Daisy as observou de longe, xingando alto, porém não demorando para entrar em casa após ver a expressão suave da própria neta enquanto olhava para a de cabelos azuis. Kássia também não poupou esforços em xingar a velha de volta, mas em voz alta.
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Retalhos de Nós
Teen FictionKássia Muller já foi uma criança inocente e pura. No entanto, ao demonstrar sua forma tímida e pura de amor, seu mundo desabou e a pessoa a quem entregou seu coração tornou-se apenas uma névoa branca longe de seu alcance. Não foi difícil entender co...