16 De Setembro de 2004

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Atenção: O conteúdo a ser apresentado a seguir pode não lhe agradar por ser forte e apresentar grandes traumas. Não me responsabilizo por nenhum dano causado emocionalmente em você.
Boa leitura...

Querido amigo,

Neste momento estou dentro do ônibus indo para a reserva, isolada em um canto sozinha. Alexandre esta em outro ônibus. Me perdoe se minha letra sair um pouco ilegível, a estrada tem alguns buracos e essa lata velha esta caindo aos pedaços. Mas bem, sei ( ou pelo menos acho) que tenho a confiança que preciso( e sempre precisei) para lhe contar a verdade sobre mim. Para lhe contar sobre o meu passado.

Indago-me por onde deveria começar, creio que de uma forma ou de outra teria de contar a você. E espero fielmente que não se assuste.

Quando tinha 4 anos de idade minha mãe começou a ter surtos psicóticos, ela já não falava coisa com coisa e agia de uma maneira muito estranha. Um tempo depois ela apresentou uma enorme fissura por facas, armas, formas de tortura tudo o que pudesse ser usado para matar, era o que ela gostava, passou então a conversar muito sobre a vida e como era doloroso para ela viver. Eu nunca entendi o por que. Todas as noites ela me colocava na cama e contava histórias terríveis para mim, histórias tristes e cheias de dor, no final, alguém sempre morria, lembro me que quando uma vez a perguntei por que alguém sempre tinha que morrer ela me disse que a morte era sempre a melhor parte da vida por que era o fim dela. E eu fiquei com medo. Medo do que minha mãe poderia estar se tornando.

Um ano depois ela tentou se matar em uma vã tentiva de tomar todos remédios da casa. 6 tentativas frustadas de suicídio depois meu pai resolveu interna- la finalmente numa clínica especializada.

Ele sempre foi ausente, sempre longe de casa sempre fora, e ele e mamãe sempre estavam brigando. Por isso todas as vezes que ela tentava se matar quem ligava para a emergência e acabava salvando a vida dela era eu. Acredito que meu pai nunca gostou disso, digo, deu salvar a vida dela.

Ele também nunca me deixou visita la, nenhuma vez, e raramente ia até lá para visita la.

2 anos depois, quando eu tinha 6 anos ela voltou para casa dizendo estar curada. Bom, de certa forma estava.

A primeira coisa estranha foi o nosso cachorro ter sumido e depois ter aparecido morto enterrado no quintal de casa. Tempos depois descobrimos que ela havia matado-o .

Logo após a morte dele, os gatinhos da nossa vizinha foram esquartejados, tempos depois descubrimos que também havia sido ela.

Por isso, depois de finalmente ter conseguido matar algo ela ficou mais maluca ainda.

Ela tentava me matar, e me xingava de louca, me chamava de fardo e dizia que eu simplesmente apareci para a trazer problemas.

6 meses depois encontraram o corpo dela no rio que ficava perto da cidade. Ela se matou. Pulou da ponte e se suicidou. Meu pai chorou, e me culpou, e eu chorei, e também me culpei. Por que dessa vez eu não estava lá para salva la, mesmo ela tendo me feito mal, eu queria salva la.

Eu e meu pai nos mudamos e quando pensei que a vida já tinha me decepcionado de mais, eu sofri mais um pouco.

Uma noite quando eu tinha 7 anos de idade meu pai chegou bêbado em casa e me agrediu, ele bateu em mim e me culpava pela sua desgraça, me chamava de estranha, anti-social, maluca e principalmente de louca.

Ele me trancou em um dos quartos da casa e abusou sexualmente de mim, E eu fui tão fraca que a única coisa que fui capaz de fazer foi chorar. Ele me disse que se tivesse deixado ela morrer nas suas primeiras tentativas de suicídio ele teria sido mais feliz, dizia que nós seriamos mais felizes, mas também disse que eu como sempre, precisava estragar as coisas.

Isso continuou acontecendo comigo,por mais 3 mêses.

Todas as noites, quando ele chegava bêbado em casa e cheirando a algo estranho e ruim, Que descobri ser droga quando ele morreu de overdose exatos três meses depois de ter abusado de mim pela primeira vez.

Por isso fui mandada a um orfanato. Nunca tivemos familiares, nunca nem ouvi menção no nome de algum deles na minha vida e a policia não conseguiu localizar ninguém.

Nesse orfanato as pessoas me batiam e eu sofria constantemente bulling não só dos outros órfãos mas também dos próprios empregados do local. Uma vez tentaram me adotar, uma semana depois me devolveram ao orfanato por que a mulher finalmente estava gravida. Depois dessa frustada tentativa de adoção, nunca houve outra.

Ainda tenho algumas cicatrizes das surras que eles me devam sem motivo.

Até o dia que eu cresci e fui embora dalí. Me mudei para bem longe. E comprei a minha casa, que é aonde vivo agora. Com medo.

E acho que essa é a minha história, o meu passado.

Inevitávelmente estou chorando agora.

E esta doendo, doendo dentro de mim,doendo pela vívida lembrança que tenho do meu pai gritando que se eu não tivesse nascido ele sofreria bem menos, enquanto enquanto me abusava a sexualmente.

Eu só não sei se isso é verdade.

Talvez seja.

E talvez eu devesse parar de pensar nisso.

Mas não pare de ler minha cartas, por favor, eu não sou louca como eles dizem.

Com amor,

M.A.A

Cartas Sem RemetenteOnde histórias criam vida. Descubra agora