O homem de batina negra tirou-lhe a mordaça. Afável, sentado na cama, disse-lhe:
— Você está se sentindo bem?
— Sim.
— Eu me chamo Marco Aurélio e vim cuidar de você. É Túlio o seu nome, não é?
— Sim.
— Isso está te machucando? — Apontou para as ataduras que prendiam os membros do rapaz aos pés da cama.
— Um pouco.
— Parece bem apertado.
— Está sim.
— Há quanto tempo você não sai daí?
— Desde ontem à noite.
— Você quer ir ao banheiro?
— Eu gostaria.
Sem pressa, o padre libertou-o.
Transtornado, o rosto rubro, Túlio sentou-se devagar no colchão, grunhindo com leveza. Encarou Marco Aurélio com os olhos marejados e levantou-se.
O cobertor caiu, revelando sua nudez da cintura pra baixo, seus pelos pubianos castanhos, o hematoma num dos cotovelos. A camisa gasta que vestia estava rasgada na altura do ombro e através desse rasgo via-se uma ferida vermelha e brilhante à luz da luminária antiga.
O banheiro era um cômodo contíguo. Ele nem fechou a porta. Deu pra ouvir o barulho grosseiro de seu mijo contra a água da privada.
Ele retornou. A expressão neutra. Sentou-se na frente do padre e cobriu o sexo com um travesseiro.
— Você tem quantos anos? — quis saber o padre.
— Vinte e dois. Não. Vinte e três.
— E como sua mãe se chama?
— Eu não tenho mãe.
O padre olhou para um quadro de Jesus pendurado ao lado da porta.
— É muito ruim de onde você veio, Túlio?
— Como?
— O Carlos disse que você não quer voltar pro lugar de onde veio.
— Eu não posso voltar.
— Por quê?
— Eu não posso voltar nunca mais.
Jesus olhava contemplativo para o alto. Os olhos cristalinos, luzidios. A coroa de espinhos sangrando. Era um quadro que lhe passava tristeza mas ainda assim achou muito bonito.
— E você está feliz aqui? Esse lugar, essas condições... Você está melhor aqui do que estava antes?
— Essa casa também é minha. O meu pai falou antes de morrer.
— Você pode provar?
— Eu tô dizendo a verdade. Acredite se você quiser.
— Não precisa ser hostil comigo, eu tô aqui pra te ajudar.
— E vai ajudar como?
— O Carlos me contou tudo.
— E o que foi que ele te contou?
— Que você tentou agredi-lo.
— Olha só pra mim. Quem parece que foi agredido?
— Ele disse que te encontrou numa estrada, desmaiado, e que te trouxe até aqui pra te ajudar, e que então você cismou que a casa era sua.
— Ele te contou que a gente é irmão?
— Ele disse que nunca te viu.
— Ele me achou no meu caminho pra cá. Eu vaguei na estrada por mais de uma semana. Sem dinheiro, sem ninguém pra me ajudar. Eu fui roubado, levei uma pancada na cabeça e...
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INCUBUS
Short StoryEste livro foi psicografado durante um transe que durou quatro anos. Enquanto uma entidade chamada Ulysses regia minha vida e comandava meus atos, estive adormecido. Se hoje estou em liberdade, se o exorcismo feito em mim foi bem-sucedido, é porque...