Ouvi os irmãos falando de mim na copa.
A conversa foi assim:
Ítalo — ...esse fim de semana?
Ivo — É. Acho que já passou da hora, né?
Ítalo fez: hm...
Ivo — Se você quiser, eu mesmo falo com ele.
Ítalo — Não. É melhor eu falar.
Ivo — É, mas dessa vez é pra falar mesmo.
Ítalo (após um breve silêncio) — Eu vou falar.
Ivo — Aposto que até você já deve estar incomodado com a presença dele.
Ítalo — Na verdade, não. Ele tem ajudado a gente bastante.
Ivo — Isso é. Não tenho do que reclamar dele nesse quesito.
Ítalo — Então não entendo por que tanta pressa em mandar ele ir embora.
Ivo — Pressa? Ítalo, ele ficou aqui minhas férias inteiras.
Ítalo — E bom seria se ele continuasse ficando. Pelo menos a gente teria quem cozinhar enquanto você estivesse no trabalho. Cozinhar bem. Não que nem o Abel faz.
Ivo — Ah, é? E quando o papai voltar, o que a gente vai fazer? E se ele aparece aí do nada semana que vem? Ou amanhã? Ou agora? A gente vai explicar como que tem um desconhecido morando no quarto dele? Usando as roupas dele? Ainda mais sendo esse seu amigo do jeito que é...
Ítalo — De que jeito?
Ivo — Ah, não se faz de besta. Você sabe muito bem do que eu tô falando.
Ítalo — Não sei, não. Que tipo de pessoa você acha que ele é?
Ficaram quietos por uns instantes.
Ivo (murmurando) — Maninho, eu não tô falando por mal. Você conhece muito bem nosso pai. Sabe que ele não aceitaria uma pessoa que nem esse seu amigo morando debaixo do mesmo teto que a gente.
Ítalo — Às vezes parece que você esquece que embaixo desse teto já mora uma pessoa igual a ele.
Ivo — Irmão, você não é igual a ele.
Ítalo — Ah, não? E o que é que nos difere então? (Ivo não quis responder. Passou um tempo. Ítalo cuspiu num sussurro cheio de desprezo:) Às vezes eu tenho vontade de vomitar na sua cara.
Ivo — Deixa de cena, garoto. E vê se me respeita que eu sou seu irmão.
Ítalo — Já passou pela sua cabeça que talvez o Victor esteja com algum problema sério em casa? Acha mesmo que ele tá aqui à toa? Que faz de tudo pra agradar a gente à toa? Que lava, passa, cozinha, faxina: tudo, assim, à toa? É óbvio que ele tá desesperado pra ser aceito pela gente. Pra ter um lugar pra ficar. Você em nenhum momento parou pra pensar que talvez haja um motivo forte por trás disso? Que talvez ele esteja fugindo de um problema sério e que a gente seja a única esperança que esse rapaz tem?
Ivo — Muito pelo contrário, meu irmão. Eu pensei muito nisso, sim, e eis um dos motivos pelos quais eu quero ele fora daqui. E se esse garoto está metido com coisa errada? E se a polícia estiver atrás dele? E se ele tiver roubado alguém, matado alguém, e agora está se refugiando aqui?
Ítalo riu baixinho.
Ítalo — Quanta criatividade!
Ivo — Você não via o Victor Hugo há anos. Como pode ter certeza que ele não mudou pra pior? Que não se envolveu em coisas pesadas? Não tem como você saber, irmão.
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INCUBUS
Short StoryEste livro foi psicografado durante um transe que durou quatro anos. Enquanto uma entidade chamada Ulysses regia minha vida e comandava meus atos, estive adormecido. Se hoje estou em liberdade, se o exorcismo feito em mim foi bem-sucedido, é porque...