Certa vez, passei as férias numa casa assombrada junto de três primos por parte de pai (o lado japonês da família). Eles se chamam Tadao, Kenji e Yoshida; na época, respectivamente, tinham vinte e seis, vinte e três e vinte e quatro anos. Eu tinha apenas dezenove. A seguir, o leitor encontrará uma série de relatos que escrevi durante o período de vinte e cinco dias em que habitamos aquela antiga mansão — onde, supostamente, o sr. Kobayashi e seus três filhos gêmeos cometeram suicídio por envenenamento.
1日
Estou sozinho num dos quartos, sentado à escrivaninha. Escrevo à luz de uma vela, pois não temos luz elétrica aqui. Através do vidro da janela vejo a floresta escura. Uma ave noturna pia constantemente.
2日
Yoshida dorme profundamente com o rosto virado pra parede. Ele está aqui porque teve um pesadelo. De vez em quando ele geme e se mexe.
3日
Andei pela casa com um castiçal em mãos. Tive de abrir uma dúzia de portas antes de conseguir finalmente encontrar o quarto do Kenji. Dividimos uma garrafa de vinho, fumamos cigarros, conversamos a respeito da minha nova vida na universidade. Quando ele disse que já estava ficando com sono, beijei-lhe os lábios carinhosamente e deixei o quarto. Eu estava zonzo; os corredores e lances de escada pareciam mais numerosos do que eu me lembrava. A vela no castiçal a esse ponto já estava quase no fim. Devo ter me confundido, pois fui parar no último andar — nenhum de nós dormia ali. Eu vi no teto um buraco quadrado — a entrada para o sótão. Eu vi na parede um quadro. Agora, enquanto escrevo isto, não consigo lembrar o que ele retratava.
4日
Hoje caminhei pela floresta durante horas. Voltei pra casa faminto e exausto. Estava tudo quieto; ao que tudo indicava, os outros já tinham ido dormir. Eu havia perdido a noção do tempo — já passava das onze. Estava tão escuro ali dentro, seria difícil encontrar o quarto. Segui tateando móveis, paredes, corrimãos. O vulto de Tadao me esperava sentado em minha cama. Ele estivera preocupado, mas agora, sabendo que eu estava bem, conseguiria dormir tranquilo. Pediu que eu não saísse sem avisar de novo. Eu me desculpei e falei que nem sei por que fiz isso.
5日
Alguém tentou me sufocar enquanto eu dormia. Apavorado, saí correndo e gritando pela casa. Meus primos acordaram de mau-humor. Quando eu implorei que me levassem embora de imediato, eles riram de mim. A luz da vela do castiçal segurado por Kenji revelava um tom rubro assustador nos olhos sonolentos deles — quanta malícia havia naqueles olhos! Eu comecei a chorar. Dobrando-se, eles riram ainda mais.
6日
Tentei fugir de manhã cedo, mas fui capturado por Tadao na beira da estrada. Ele trancou todas as portas e janelas e escondeu as chaves. Não sei o que pensar a respeito disso. Espero que ele esteja brincando e que logo todos nós estejamos bem longe daqui. No decorrer do dia, descobri que ninguém acreditava em mim — pensavam que o evento da noite passada havia sido fruto de um pesadelo. Eles estavam tão convictos que chegaram até mesmo a me convencer de que, sim, tinha sido isso mesmo. Agora está chovendo e eu estou mais calmo. Kenji disse que, caso eu sinta medo, posso correr até seu quarto.
8日
Eu encontrei o molho de chaves por acaso enquanto limpava a despensa. Para não correr o risco de ser apanhado novamente durante a fuga, escondi-as embaixo do meu colchão, decidido a escapar enquanto todos estivessem dormindo. Quando a hora chegou, percebi que meus membros haviam sido amarrados com cordas aos pés da cama. Concluí, portanto, que Tadao dera falta das chaves e decidira me manter por perto de qualquer maneira. Mas eu ficaria amarrado até quando? Até eu aprender a lição, talvez? Era essa a intenção? Pensei em gritar, mas não o fiz. Que jogo mais idiota! Aquilo tudo já havia perdido o sentido pra mim.
9日
Ao acordar e gritar por socorro, fui desamarrado. Contudo, os irmãos prometeram que a partir de então triplicariam a vigilância sobre mim, pois eu já não era mais digno de confiança, se é que cabe fazer uso de suas palavras absurdas. Pela manhã, eu seria vigiado por Yoshida. Durante a tarde, por Kenji. Tadao me vigiaria até eu pegar no sono. De madrugada, alguém ficaria sentado na poltrona do meu quarto, tomando conta de mim enquanto eu dormia ou fingia dormir. Eu nunca saberia quem é essa pessoa porque, além de tudo, a partir de agora as velas também estavam banidas da casa, já que eu poderia fazer mau uso delas — causando um incêndio ou iluminando uma rota de fuga, por exemplo.
12日
(Escrevi posteriormente sobre o que aconteceu nesse e em outros dias em que estive sob estrita vigilância.) Deitado na cama, sempre no escuro (durante o dia as pesadas cortinas estão sempre fechadas, impedindo a entrada da luz solar), sinto o peso dos olhos de um estranho sobre mim. Será que é mesmo um dos meus primos que está ali sentado na poltrona? Eu já não tenho tanta certeza. Passei o dia divagando. Mal comi ou bebi água. A situação é absurda demais. Era pra estarmos nos divertindo, mas veja só o que aconteceu... Se eu pudesse ao menos carregar meu celular e pedir a ajuda de alguém... Quem é você?, perguntei alto a quem me vigiava — e essa pessoa não quis me responder. Eu ouvia sua respiração, uma respiração pesada.
16日
De vez em quando encontro objetos tateando no escuro e os escondo em meus bolsos. Quando Kenji descobriu que eu ocultava uma tesoura (enquanto nos beijávamos na cama, durante seu turno de vigília), ele ficou horrorizado e logo relatou a Tadao que suspeitava que eu estivesse planejando um assassinato. Fui arrastado até o porão, onde fiquei trancado durante horas como castigo pelas más ideias.
21日
As velas foram novamente permitidas por Tadao — para o alívio de todos. As janelas e cortinas, todavia, continuariam impedindo a entrada de luz solar por mais alguns dias. Eu já não era mais vigiado, pelo menos. Meus primos pareciam preocupados com outra coisa. Passavam horas vasculhando os cômodos, procurando, procurando... Eu os seguia sem um castiçal em mãos, para que não notassem minha presença.
24日
Não se trocam palavras há dias nesta casa. Nossas vozes só são ouvidas durante as preces que antecedem as refeições.
25日
Fomos embora ao cair da tarde.
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INCUBUS
Short StoryEste livro foi psicografado durante um transe que durou quatro anos. Enquanto uma entidade chamada Ulysses regia minha vida e comandava meus atos, estive adormecido. Se hoje estou em liberdade, se o exorcismo feito em mim foi bem-sucedido, é porque...