Luís Paulo e Guilherme escondiam um segredo dos demais homens que habitavam o castelo. Certa noite, Guilherme, portando um castiçal e vestido apenas com uma cueca boxer branca, saiu de seu quarto para a penumbra sufocante do corredor. Atrás das janelas francesas, a tempestade e os vultos da floresta em sua dança suave, macabra, melancólica. Ele subiu um lance de escadas, os pés contra a madeira fria e escura. Outro corredor. A porta fechada do quarto de Flávio. Outro lance de escadas. O clarão repentino de um relâmpago. Novamente no semibreu, a luz da vela tremulou. Ele andou com mais calma para que ela não apagasse. Seguiu. Subiu novamente. Lá estava a porta do quarto dele, guardada por um terço. Abriu-a. Ele dormia docemente. O rosto sereno. Os lábios ressonantes entreabertos. Colocou o castiçal sobre o criado-mudo. Subiu na cama. Acordou-o com um beijo no pescoço e fez sexo com ele.
Foi à sombra negra de um rododendro robusto como uma couve-flor que Luís Paulo contou sobre esses encontros noturnos cada vez mais frequentes para seu melhor amigo, Ricardo. Este reagiu com normalidade, visto que já era de se esperar que o isolamento daqueles dez homens num local esquecido pelo mundo fosse resultar cedo ou tarde nesse tipo de comportamento. Apenas se sentiu na obrigação de advertir o amigo de que, sendo Guilherme uma pessoa pouco confiável (conclusão óbvia, afinal, ele estava traindo a namorada que aguardava ansiosa seu retorno ao lar), apegar-se a essa relação era um absurdo. Luís Paulo concordava, embora soubesse que as coisas não seriam assim tão simples. Ele próprio era exclusivamente homossexual e esse fato era do conhecimento de todos. O afastamento sentimental do outro seria sem dúvidas uma tarefa bem mais fácil. Ele sabia que corria sérios riscos de se decepcionar. Todavia, decidiu arriscar. Ultimamente vinha se sentindo tão só...
Um belo dia, um dia cinza, Luís Paulo e Guilherme encontraram-se na floresta e beijaram-se por horas. Eles foram vistos pelo jovem professor Ludovico e, constrangidos com o flagra, escutaram, cabisbaixos e corados, os seus conselhos. O afastamento era certo, segundo ele, caso o diretor Nicolau tomasse conhecimento do que estava acontecendo entre os dois. Sejam mais cuidados, ele advertiu várias vezes. Mais tarde, após o jantar, Luís Paulo contou o ocorrido ao amigo, que fumava escondido numa saleta isolada, quase nunca frequentada, do castelo, tendo em mãos um livro erótico barato. Ricardo passava horas dedicando-se a prazeres solitários, todos os dias, naquela distante sala. Ele ouviu o relato sem dar muita importância. Por fim, disse que não havia razão para preocupações. O severo e imponente Nicolau jamais saberia, caso ninguém contasse, afinal.
O diretor tinha um bigode pontiagudo, olhos que expressavam sempre uma gelidez pungente. Braços fortes, pernas torneadas. Cabelo penteado como nos tempos da brilhantina. Ele batia no quadro-negro com sua vareta enquanto explicava assuntos do interesse de seus lecionandos, entre eles: alquimia, demonologia, ocultismo, etc. No fim da aula ele deu a todos um comunicado: Enrico, jardineiro e vigia, havia desaparecido. Acreditava que o homem havia cometido suicídio, afogando-se no lago, pois o infeliz manifestara tal ideia numa carta que havia mandado à família semanas antes de seu desaparecimento. Os alunos receberam a notícia perplexos. Mais tarde, já rolava entre eles um sem-fim de boatos. O boato mais popular era de que Enrico fora possuído por Belial, o demônio que supostamente invocaram durante um experimento clandestino de rito havia vinte e cinco dias.
As semanas passaram e o assunto foi esquecido. O corpo não foi encontrado, mas já não se comentava a respeito disso.
Caía uma garoa fina. Guilherme e Luís Paulo mataram a aula de cosmologia do professor Ludovico para ficar transando no quarto o dia todo. Mal saíram para se alimentar. Eles levaram uma advertência por escrito que precisaria ser assinada por seus pais. Protestaram: discutiram com o professor porque, nas palavras de Luís Paulo, ele tinha pleno conhecimento do Amor Verdadeiro que existia entre os dois, portanto não tinha o direito de interferir. Passaram mais de uma hora discutindo a respeito do verdadeiro significado da União Sacra, decidindo, por fim, que para que o Laço entre eles fosse validado, era necessário que Camila, a namorada de Guilherme, tomasse conhecimento de toda a situação, assinando a advertência que lhe seria enviada. Para a surpresa de todos, Guilherme concordou. Assumiria para ela seu real romance. Tal ato trouxe aos olhos de seu amante um comovente brilho de cristal...
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INCUBUS
Short StoryEste livro foi psicografado durante um transe que durou quatro anos. Enquanto uma entidade chamada Ulysses regia minha vida e comandava meus atos, estive adormecido. Se hoje estou em liberdade, se o exorcismo feito em mim foi bem-sucedido, é porque...