Capítulo 11

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Tudo o que eu sentia se estava a confundir. Apetecia-me desaparecer, mas ao mesmo tempo apetecia-me viver, mas viver intensamente. As coisas estavam a perder o sentido. A escola era sempre o meu ponto forte e de repente era tudo aquilo que eu menos queria. As minhas amizades, as relações, tudo. A Andreia continuava a tentar manter-se em contacto comigo, mas eu fazia questão de o cortar. Não queria falar, nem sentir. Podia parecer exagerado, mas era tudo o que sentia. Muita coisa na minha vida estava prestes a mudar.

Eu via as miúdas de quinze anos, e muitas delas fumavam, outras drogavam-se. E mais do que isso, várias delas já tinham perdido a virgindade. Dessas três coisas, eu fazia parte em zero. Nunca fora muito de pensar em fumar para disfarçar os problemas, ou de "beber para esquecer". Para mim fazia nulo sentido. Mas não sabia. Nunca podemos prever as coisas. Eu nunca tinha imaginado que a Beatriz alguma vez fosse morrer com aquela idade. Eu quis castigar-me.

Uma das miúdas da escola, com quinze anos, chamada Íris, era super gira. Não só em termos de beleza. O sorriso dela chamava a atenção a toda a gente. Era quente. E tentador. Obviamente que todos os rapazes se interessavam nela. Ela fumava. Passava os intervalos inteiros a fumar, escondida num recanto da escola. À maioria dos rapazes, isso chamava a atenção. Outros achavam que ela apenas se armava, por isso não lhes interessava. O Lourenço tinha namorado com ela uma vez. Há pouquíssimo tempo. Mas acabou com ela porque ela era infantil e porque a tinha apanhado a beijar outro rapaz. Uma confusão.

(...)

Quando voltei à escola, apenas falava com o Lourenço. Eu não passava qualquer tipo de interesse em falar com outra pessoa. Nem mesmo a Andreia. Ela parecia ter-se esquecido da nossa amizade, tal como eu. Eu não conseguia concentrar-me nem dedicar-me àquela amizade. O que era suposto eu fazer nestas situações? Ignorar? Ficar sozinha? Desprezar tudo e todos e tornar-me numa miúda solitária? Eu não queria estragar a minha vida pelo facto de a Beatriz ter morrido. Não queria nem podia.

Após dias de tristeza contínua, de jantares mal jantados, com a cama sempre por fazer, com inúmeras faltas por justificar, de aulas às quais faltava por escassez de disposição, lembrei-me de algo que me poderia ajudar a aliviar a tristeza.

Num sábado, à hora de jantar, propus aos meus pais a minha ideia. A meio da refeição onde se travavam conversas desnecessárias, disse num tom de voz monótono:

- Quero ter um psicólogo.

Um enorme silêncio se instalou na mesa. Mas, tempo depois eu continuei a falar.

- Eu não sou maluca nem algo do género, mas sinto que preciso disto. Por favor arranjem-me um psicólogo.

- Carolina, tu podes falar connosco sempre que precisares... - tentou a minha mãe.

- Não. Se ela quer um psicólogo, deixa-a ter. Pode ser importante para ela. Ninguém merece passar pelo que ela passou. - entendeu o meu pai.

- Pronto está bem, mas tu sabes que podes falar connosco do que quiseres. - concordou a minha mãe.

- Sim. - respondi secamente.

Eu sempre achei que ignorar os problemas fosse a solução para tudo, virar as costas à porcaria de vida que temos. Mas de repente, fiquei realmente com uma porcaria de vida e toda ela passou a ser um problema. Já não havia nada a que virar as costas. Nada. Apenas eu. E virar- me as costas nesta altura, seria o fim.

Passei toda a noite acordada, sem sono nenhum, a olhar para a janela do meu quarto. As estrelas não se movimentavam e mantinham-se ali noite após noite, ano após ano. Com um brilho intenso, imunes a qualquer força, a qualquer tempestade. Sempre fortes. E apesar de algumas morrerem, as outras mantinham-se no mesmo lugar, e tinham de continuar a viver, sem perder o brilho. Isto parecia-me a metáfora ideal para a minha vida naquele momento. Mas estranhamente, eu não era tão forte quanto aqueles pontinhos reluzentes, e dava mais valor às outras estrelas do que a mim mesma. Eu não conseguia continuar a brilhar enquanto uma das estrelas que me estava mais próxima tinha morrido. A Bea era a miúda mais gira de sempre, e ela sim brilhava, não como uma simples estrela, mas como o sol. Era linda. E ao mesmo tempo, era uma pessoa fantástica. Eu amava-a tanto... Perdê-la parecia impossível, mas infelizmente não era.

No dia seguinte, um domingo calmo, todos se levantaram perto das 11 da manhã, e eu continuei todo o tempo na cama sem dormir sempre a olhar para a janela. Uns minutos após as 10h eu liguei para o Lourenço.

"Então? Bom dia"

"Olá Carolina"

"Não queres ir dar uma volta?"

"Eu adorava, sabes que sim, mas estamos cheios de testes, devias ir estudar, eu também preciso"

"Não quero, nem sequer consigo"

"Eu compreendo o teu lado, mas não podes parar de fazer as tuas coisas para sempre"

"Não é para sempre. É por um tempo. Desculpa não te queria chatear sou mesmo parva"

E desliguei a chamada. Ele ripostou numa chamada, mas eu não atendi mais.

Eu sentia-me mal por querer estar com o Lourenço. Eu exigia demasiado dele, sendo que praticamente todos os dias ele estava comigo e vinha a minha casa só para eu sorrir. Era impossível não o amar, mas talvez fosse sobrecarregá-lo, o facto de eu querer sempre mais.

Sendo assim, passei o domingo a ouvir música deitada na cama e a ler um livro de poesia. Assim até à noite.

Sempre que eu puder voltarOnde histórias criam vida. Descubra agora