Capítulo 5

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Além de vir aflita, vinha prestes a chorar. Não era altura para me assustarem, a sério. A enfermeira também estava um pouco preocupada, mas eu só não sabia com o quê.

O meu coração começou a bater cada vez mais depressa e a minha respiração começou a atropelar todo o funcionamento do meu corpo.

A Mariana segurou o meu pulso e com pressa puxou-me da cadeira onde eu estava sentada. O Lourenço levantou-se e ajeitou as calças, sem saber o que fazer. Olhei-o e fiz-lhe sinal para se manter na sala de espera, enquanto eu ia ver o que se passava.

Caminhámos pelo corredor das urgências e fomos diretas ao quarto da Beatriz. Os outros dois corpos que se encontravam no quarto, mantinham uma expressão séria e imune. A cama da minha irmã estava rodeada de médicos e enfermeiros. Todos faziam gestos rápidos e estavam todos preocupados.

Infiltrei-me na multidão de médicos e consegui observar finalmente a Beatriz. Tudo o que vi, matou-me por dentro.

Apesar do barulho imenso que lá estava, eu não ouvia um único som. Paralisei. A Beatriz não respirava. Máquinas que tentavam salvá-la da morte, eram inúteis. A sua boca enchia-se de sangue e a sua pele começava a esbranquiçar. Os médicos esforçavam-se para a ajudar, fazendo o impossível. Mas tudo foi em vão. A única coisa que consegui dizer foi "desculpa" na esperança de que ela me ouvisse e que me perdoasse.

Fui empurrada do quarto juntamente com a minha irmã, e esforçava-me por lá entrar novamente, mesmo que não pudesse. Não podia desistir. Isto não podia ser o fim.

A Mariana chorava e gritava, e eu fazia o mesmo.

Os pais ainda não estavam lá, mas a nossa enfermeira tratou de os avisar.

Quando chegaram, fui a correr para os braços da minha mãe, na esperança de que aliviasse. Mas não aliviava. Tudo era inútil.

A Beatriz tinha morrido.

Aparte:
Não sei o que é suposto acontecer.
Quando nos morre um familiar, a tristeza e a mágoa são sempre imensas mas acabam um dia por naufragar e desaparecer. Estou a falar, por exemplo de um avô. O meu avô morrera quando eu tinha 13. O meu avô era uma pessoa educada, feliz e amável. Mas nunca teve o papel de pai para nós, apesar de quando estava frio, nos dar o seu cachecol e passar a ficar ele com frio; quando sabia que íamos para casa dele, fazia uns bolinhos muito saborosos, sempre diferentes. Por isso quando morreu, obviamente custou. Mas foi uma dor que, apesar de tudo, foi aliviando com o tempo. A morte de um dos nossos pais, deve ser terrível. Deve ser mesmo um horror. Perder parte de nós. Essa dor não deve aliviar nunca. Mas sinceramente, perder um irmão, supera todas as outras perdas. Perder um irmão é como se morrêssemos também nós. Vive-se com uma culpa o resto da vida. Vive-se mal, incompleto. Especialmente se for um irmão com quem passamos a vida a zangar-mo-nos, mas que no final, acabamos sempre por contar as nossas coisas. A morte de um irmão é sem dúvida a pior coisa. E eu perdi a Beatriz, sem lhe dizer "Força miúda. És mais forte que isso.".

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O Lourenço permanecia no hospital, sem me deixar sozinha por um segundo. Eu e a Mariana, estávamos as duas iguais: olhávamos ambas para um ponto fixo, com os olhos já negros do medo e do choro, e não dizíamos uma única palavra. A minha mãe continuava a chorar e o meu pai abraçava-a com imensa força, e chorava também. Mas chorar não adiantava. Nem gritar. Ela não ia voltar por mais duro que fosse para nós. Nunca mais.

- Adeus. - despedi-me e saí do hospital.

- Carolina, onde vais? - perguntou o meu pai, mas eu apenas saí sem deixar respostas.

Andei bastantes metros para longe do hospital, e cheguei a uma praia. Não havia cor, pois a noite invadia todo o meu campo de visão. Apenas conseguia ouvir o som do mar e gritos da Beatriz na minha cabeça. Agarrei o meu cabelo salgado das lágrimas com o meu elástico. Retirei o meu casaco farto em pelo, e coloquei-o à minha beira. Restava-me apenas uma blusa larga na parte superior do meu corpo. Retirei-a, com cuidado, e coloquei-a junto do casaco. Despi as minhas calças de ganga e descalcei-me. Apenas tinha vestida a minha roupa interior, e estava imenso frio. Mas eu não queria saber. Fui a correr até ao mar e rapidamente mergulhei. Tentei nadar o mais que pude, durante bastante tempo, mas já estava exausta. Quando olhei para trás, não conseguia ver a areia. Comecei a entrar em pânico. O meu corpo já não suportava a dor de nadar, então comecei a gritar. Gritos roucos, mas fáceis de ouvir. Eu continuava a tentar superar a dor de nadar mas era impossível. Já não sabia de que lado se encontrava a praia. De repente, comecei a ver um corpo a nadar para perto de mim, o mesmo corpo que me beijara. O Lourenço nadou até mim e trouxe-me até à areia, de maneira a que ficasse a salvo.

- O QUE É QUE TE PASSOU PELA CABEÇA?! - gritou-me ele. - PODIAS TER MORRIDO! SE EU NÃO TIVESSE IDO ATRÁS DE TI... - após os seus gritos, dei-lhe um beijo com a pouca força que me sobrava. Beijei-o com muito carinho, e depois adormeci.

Ele pegou no meu corpo ao colo, e limpou cada membro do mesmo com a sua camisola. Depois acabou por me vestir com a roupa que eu deixara na areia, e mandou uma mensagem aos meus pais a dizer "Ela está em segurança. Eu cheguei a tempo de ela não morrer afogada. Estou com ela na praia. Lourenço.".

Sempre que eu puder voltarOnde histórias criam vida. Descubra agora