Capítulo 3

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Sentámo-nos na sala de espera ao lado de uma mesa cheia de revistas com temas desinteressantes. A Mariana deu-me a mão.

- Tu sabes que o que eu te disse foi a preocupação a falar... - a voz dela conseguiu transmitir-me calma e segurança, apesar de tudo.

- Não. Tu tens razão. Sou egoísta.

- Ela revoltou-se com tudo. Não tens culpa.

- Como é que eu fui capaz? Eu bati na minha irmã mais nova! Não sei se ela vai acordar e a última memória da nossa relação será a chapada que lhe dei...

- Não sei porque o fizeste. Isso é que foi errado.

- Eu não a odeio. Sempre a invejei! E isso foi mais forte que qualquer amor. Sou uma merda.

- Vai correr bem.

* 15 minutos depois *

Os meus pais chegaram.

- O que aconteceu?! - a minha mãe interrogou.

- Eu bati na mana. Ela fugiu de casa, e foi atropelada.

- O quê?! Ela já saiu? Bateste-lhe?!

- Ainda não se sabe de nada... - respondeu a minha irmã.

- Pronto. Não vamos culpar-te agora.

O meu aniversário estava a superar as expectativas, para pior. Eu fazia quinze anos e esses quinze anos perdiam todo o sentido de existência, um por um.

- Já temos notícias. - uma enfermeira loira com um rabo de cavalo confortável, olhou-nos nos olhos e avisou-nos. - Infelizmente não são as melhores. A Beatriz é uma rapariga forte, mas o estado dela não é suportável. O corpo não vai aguentar. Restam-nos poucas horas para saber se ela sobrevive. Ela magoou-se mesmo... a vossa filha mais velha disse que ela ia a correr mas que ao atravessar a estrada não viu o carro e foi atropelada... eu lamento muito.  Sofreu imensas fraturas e hemorragias internas. Vamos fazer os possíveis para que ela possa sair daqui e ir para casa. Mais uma vez, eu lamento.

A mulher saiu da sala de espera e a sua tristeza desapareceu assim que encontrou uma outra enfermeira e que se cumprimentaram, e foram beber um café, suponho. Mas a minha tristeza aumentava a cada segundo. Não aliviava. Não desaparecia. Não havia nada em que pudesse pensar que aliviasse a dor. NADA. A minha cabeça estava toda ocupada pelo acontecimento. E além disso, era o meu aniversário. O que mais podia piorar?

De facto havia uma coisa que ainda podia piorar e acabou por acontecer.

17:00h. Hora das visitas. A mãe e o pai entraram primeiro. Saíram do quarto mais tristes do que quando lá entraram. Nenhum deles merecia. Não me consigo por no papel deles. Ver um filho num estado lastimável deve ser uma das piores coisas.

Logo a seguir entrou a Mariana. Ela parecia ser a única com alguma esperança. Ela sempre nos ajudou em tudo, com todas as preocupações.

Eu. A minha vez. No quarto em que estava a Beatriz, encontravam-se dois outros corpos, mas em muito melhor estado do que o da minha maninha. Não podia chorar. Eu era mais forte que isso. Lembrei-me de dizer alguma coisa, como se estivesse a falar com ela. Uma maneira de aliviar a preocupação.

- Bea, estou aqui. Mais uma vez. Não sei como te sentes mas acredita que dava tudo em troca da tua cura. Tudo. Eu é que devia estar assim. Devia estar esmagada e morta há muito tempo. Eu sei que não vai apagar nada, mas desculpa. Desculpa-me. Sou tão estúpida. O que leste era uma mentira. Eu não te odeio... eu apenas tenho inveja. Tu és mais bonita, sabes fazer tudo da melhor maneira, os pais preferem-te e até a Mariana te prefere. Mas eu prometo-te que se acordares eu farei tudo mas tudo o que nunca fiz. Eu vou proteger-te. Vou mesmo. Eu adoro-te maninha.

Abracei-a e adormeci ali. Agarrada à minha irmã desfeita e desfigurada. Uma enfermeira veio avisar que eu tinha de sair, mas só aí repararam que eu estava a dormir.

Regressei à sala de espera e abracei a Mariana. Como sempre, o seu calor reconfortou-me.

- Obrigada - sussurrei-lhe.

- Adoro-te miúda. - ela afirmou convicta. - Vai correr tudo bem. - disse com menos convicção.

As minhas lágrimas pressionavam os meus olhos para saírem. Depois acabavam por vencer e escorriam-me o resto, umas paravam nos meus lábios e outras contornavam-nos e desciam pelo pescoço a baixo adentrando na minha camisola e por aí diante.

O meu relógio marcava as 20:00h e resolvi verificar o meu telemóvel. O contraste entre as minhas mãos frias e o meu rosto quente do choro era desagradável. Agarrei nuns fios de cabelo que estavam a tapar-me os olhos e coloquei-os atrás das orelhas. No telemóvel dizia que tinha recebido cinco mensagens e que tinha uma chamada perdida. Duas mensagens do Lourenço, uma da Andreia, a minha melhor amiga, uma do meu primo e uma da minha tia.

Xx : Lourenço
Carolina, estás onde?

Xx : Lourenço
O que se passa? Avisa-me se precisares de alguma coisa. Beijinhos.

Xx : Andreia
Carol, tenho de falar contigo!!!!!!!

Xx : Bruno
Parabéns prima!!! Espero que tenhas um grande dia!!! Saudades, beijo grande!

Xx : Tia
Parabéns Carolina! Beijinhos da tia.

A chamada perdida era da Andreia. Ela parecia bastante feliz pela mensagem, mas eu apenas limitei-me a responder "Depois falamos.".

À mensagem do Lourenço respondi "Estou no hospital. Tu sabes... estou mesmo mal com o que aconteceu e estar a responder-te é uma sorte. Obrigada por te preocupares. Adoro-te.". Ao meu primo Bruno disse "Obrigada primo!". Pensei em contar o sucedido mas em vez disso apenas agradeci simulando que estava feliz. Com a minha tia foi a mesma coisa.

Eu não estava com cabeça para nada, mas por gostar mesmo do Lourenço, respondi-lhe com todo o amor que ainda restava no meu coração. A minha relação com ele era fantástica. Tínhamos imensa abertura para falar de tudo e de todos. Era um rapaz do melhor. Do melhor mesmo. Toda a nossa "história" era um mistério. Ambos sabíamos que era uma amizade, mas uma amizade além das outras, havia algum amor. E isso era uma das coisas que não queria perder.

Sempre que eu puder voltarOnde histórias criam vida. Descubra agora