A aula em campo

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           Naquele dia, depois da aula de futsal, voltamos diretamente para a sala de aula

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           Naquele dia, depois da aula de futsal, voltamos diretamente para a sala de aula. Odeio os primeiros minutos após a educação física, a turma está inteiramente eufórica, ofegante e suada. É nojento.

           Todos nós bebemos água, algumas pessoas foram ao banheiro e, quando a turma se acalmou, fomos orientados a organizar nossos materiais e ir até a parte de fora do colégio. Havia um ônibus nos esperando, o que é um pouco novo; não estou acostumada a aulas em campo, é sempre um desvio impactante da rotina comum.

           — Hoje nós estaremos visitando uma fazenda de cacau — começou a professora Marta antes da porta do ônibus se abrir. — Vamos observar como ocorre a plantação e extração desse fruto que foi tão marcante na economia de nosso estado. Vamos visitar uma floresta fechada, então certifiquem-se de que estão com repelente, boné ou chapéu e protetor solar. Como a turma é grande, estejam sempre por perto, está bem?

           Todos concordaram educadamente, mas, quando a porta finalmente abriu, a turma - aparentando mais ser do 1º ano do Fundamental do que do Ensino Médio - correu para dentro do ônibus tumultuada, fazendo-me questionar se estava diante de uma loja abrindo as portas durante a Black Friday.

           Quando todos os meus colegas tomaram seus lugares, aí sim me arrisquei dentro da loja em época de liquidação. Não vi nenhum assento livre imediatamente, e conforme fui andando pelo corredor do ônibus, com a mente já a mil e a cabeça dolorida, percebi que havia apenas um lugar: a cadeira ao lado de Lilith. O universo devia ter alguma coisa comigo. Então, parei de andar e a encarei, num clima desconfortável, como se eu perguntasse com meu olhar se aquilo era uma boa ideia e ela respondesse com o seu que me odiava demais para aguentar tamanha proximidade. Mas nada dessa conversa dedutiva importou, pois tia Marta levantou a voz mandando eu sentar logo ali. E eu o fiz, desviando o olhar de Lilith para a cadeira à frente, num movimento rápido e incômodo. Todos se encontravam, enfim, em seus assentos, e então o motorista tratou de iniciar o trajeto.

           Diferentes do resto da turma, que conversavam como se quisessem alcançar o sul do país com a voz, Lilith e eu seguimos em silêncio pelo que pareceu vinte minutos após o início da viagem. Aquele famoso silêncio ensurdecedor, que nós nunca acreditamos que realmente o é até que ele chegue prensando nosso pescoço com as próprias mãos e nos faça sufocar até a morte. Porém esse, frágil pelo desejo evidente de me encontrar em uma situação menos desconfortante, logo foi quebrado quando a menina sentada à minha frente, de cabelos ruivos e cacheados e rosto sardento, virou para trás e disse a Lilith:

           — Amiga, você ainda tem aquilo?

           — Um pouco... - Lilith respondeu, pegando algo no bolso de sua mochila.

           — Me dá um pouquinho? Por favor... — a menina pediu, recebendo de Lilith algo que me pareceu um saquinho.

           Não pude evitar minha feição assustada. Estava mesmo sendo cúmplice daquilo? A ruiva, desde que voltou-se a nós, manteve um sorriso de lado no rosto, de modo bem sensual. Quando guardou aquilo que pegou com Lilith na própria mochila, voltou a nos encarar e perguntou-me:

           — Eva, não é? - Eu assenti, e ela continuou: — Não sei muito sobre você. Também gosta dos... remédios?

           — Não mesmo — respondi, arrancando uma leve risada da menina.

           Pelo menos ela não estava me julgando.

           — Me chamo Azura. É uma pena que não conversemos com você com frequência. — Ela piscava demais enquanto falava. — Você e Lilith eram amigas, não?

           Às vezes as pessoas perguntam coisas bem inapropriadas, talvez por ignorância, talvez pela vontade de gerar conflito, mas seja qual for o motivo, são perguntas inapropriadas. E esse é um exemplo. Eu não costumava pensar muito na minha antiga amizade com Lilith; eu não queria pensar sobre ela. Porque lembrar trás saudade, e saudade traz sentimentos que, justamente, eu tentava não lembrar para não sentir.

           — Esquece, não precisa responder. — Azura fechou os olhos em hesitação, é provável que ela tenha percebido o desconforto que a pergunta trouxe. — Enfim. Você devia andar com a gente, Eva.

           — Você acha?

           — Com certeza! Seria superdivertido. Não é, Lilith? — Ainda agora, não consigo dizer se toda a expectativa da ruiva era genuína.

           — Não sei - Lilith respondeu. — Quero dizer, sem apego, né? Não é como se Eva fosse continuar nossa amiga a longo-prazo.

           Séria e direta. Com raiva. No caso de Lilith, rancor. Ouvir ela falar com aquele tom me causava arrepios. Mesmo com todo o meu esforço para não lembrar e não sentir, aquelas palavras doíam. Não porque eu me senti magoada, mas porque sabia que eu mesma magoara Lilith, e por mais traiçoeiros que fossem meus motivos, no fundo, tinha conhecimento de que foi uma decisão unilateral e egoísta.

           Apenas ficamos em silêncio. Claro, ser exposta daquela forma feria, sim, meu orgulho, mas não havia razão para questionar aquela escolha de palavras quando tinha conhecimento de que seria uma briga inútil; aceitava minha culpa e até hoje a reconheço.

           — Fica com a gente durante a aula, tá bem? — completou Azura, numa tentativa de não permitir que o silêncio se prolongasse por mais tempo.

           Mas ela deveria saber que seria estranho.

           — Tá bom.... — eu respondi, um pouco hesitante, pois não tinha certeza de que passar a aula ao lado de Lilith e sua amiga seria tão legal.

Eva & LilithOnde histórias criam vida. Descubra agora