Não é possível evitar. Depois de todos os eventos que aconteceram e que eu acabei de relembrar, minha mente se abriu mais para ela mesma e, por mais que odeie, em um momento iria ter que refletir e falar sobre minha vida. Não deixaria ninguém — ou eu — sofrer com as dúvidas. E já estamos meio próximos agora, não?
Acontece que eu sempre fui... Um pouco sozinha. Não é que eu sofria até a morte de minha alma com isso, mas me afetava, e é a verdade. Sou filha única e só meu pai tem um irmão, meu único tio que é casado com meu único outro tio e que é pai de meus únicos primos, mas que não vejo com muita frequência. Meus pais não são ruins, nem nada do tipo, mas sempre foram meio distantes... Ah, e ambos são cirurgiões. Eles passam a maior parte do tempo trabalhando ou estudando, e apesar de ter conhecimento de que se trata de seu ofício, eu sempre quis algo a mais para mim, sempre quis chamar-lhes a atenção.
Cheguei a consegui-lo algumas vezes, quando ganhava algumas olimpíadas de matemática, e foi assim que decidi que, se eu fosse bem academicamente, eu iria chamar-lhes a atenção sempre. Foi uma boa tática, no começo. Mas eles se acostumaram logo; tenho facilidade de aprendizado. E como qualquer criança desesperada, busquei outras formas, claro. Me joguei de uma árvore uma vez. Mas desse modo só consegui um braço quebrado e uma bronca de meus pais. Resolvi continuar só dedicada à escola, e vez ou outra até conseguia me destacar em meio aos livros e livros que prendiam o interesse de meus pais, mas... É isso.
Às vezes era como se eu sequer tivesse uma família. E nos curtos momentos específicos e contáveis da minha vida nos quais eles estavam comigo (tipo, nos quais eles realmente estavam comigo), era como se eu tivesse a maior família do mundo. Então nunca me deixei reclamar.
A minha casa é como um universo. Ela é grande, silenciosa, os corpos que abriga são distantes uns dos outros e, principalmente, ela é repleta de histórias: meus pais têm inúmeras estantes cheias de livros. Em sua maioria, claro, livros científicos e sobre medicina, mas há uma boa quantidade sobre outros assuntos também, como coleções inteiras de sagas renomadas da ficção e fantasia — minha mãe com certeza faria parte do Book Twitter se fosse adolescente nos dias de hoje.
Foi por entre alguns desses livros de meus pais, os que mencionavam as artes, que me apaixonei por pintura. Nunca me aprofundei na prática pois nunca acreditei que eu poderia ser valorizada pelos meus desenhos, e talvez esse valor não viesse nem de mim mesma, mas os amo. Os amo muito e por muito tempo foram minha única companhia, como a Terra que é distante dos planetas, mas tem a Lua. Infelizmente, nunca foram o foco da minha vida. Mas até hoje nem sei qual é.
Nunca tive muitos amigos — no caso só algumas pessoas da escola com quem eu conversava às vezes —, mas, quando tinha uns doze anos, decidi que isso mudaria. Eu iria às famosas festas do ginásio e poderia me enturmar. Foi numa dessas – a única a qual fui – que conheci Lilith. Nós duas fugíamos da multidão bagunceira, eu em busca de ar, já que todo aquele movimento me deixara ansiosa, e ela procurando outra coisa, que não dançar, para fazer. Lembro-me de minha primeira impressão e de nossa primeira conversa. Lilith estava linda; vestia um moletom vermelho e uma saia preta pregueada. Vermelho é sua cor, foi criado por ela. Quando me viu, pela primeira vez em sua vida, já veio me perguntar o porquê de meus cadarços estarem desamarrados. Eu a mandei ir à merda. E nós duas rimos. Foi assim que nos tornamos amigas.
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Eva & Lilith
Любовные романыJá fazia um tempo que Eva e Lilith não eram mais amigas. A primeira, por ter medo dos próprios sentimentos; a outra, por ser orgulhosa demais. No conforto do ambiente familiar do colégio, elas se davam bem em lidar com a presença uma da outra - mas...