O caminho não foi silencioso. Em um momento, até tentamos colocar fogo em um dos galhos que estavam na minha mochila, mas falhamos miseravelmente. Porém, àquele ponto, nada poderia nos deixar tristes. Estávamos vivas — vivas! — e isso era o que importava.
Contei a Lilith como executei todo o meu plano, detalhadamente, e até sobre as alucinações. Ela também havia alucinado enquanto estava no acampamento, mas não ao ponto de ouvir coisas falarem, pelo que me contou. Não cansamos nem nos entediamos; conseguimos nos manter em pé por bastante tempo naquele trilhar de caminho. Nós viramos a madrugada naquele ritmo, vez ou outra bocejando, de leve, pois percebi quando o céu foi clareando e já não havia necessidade de usar aquela pequena chama do isqueiro para enxergar o que havia à nossa frente.
— Sabe, essa experiência toda foi muito... Interessante — mencionei, em um momento. — Algo me dizia para seguir adiante sem você, mas eu estava me sentindo tão mal com esse pensamento. Foi como se duas Evas estivessem brigando dentro de mim, e aquilo me travou. Eu só fiquei sentada chorando, até começar a ouvir coisas. E eu acho que aquela era a "eu" de verdade tentando se comunicar comigo pelas alucinações. Não sei. Depois da conversa eu deixei o medo de lado, me senti confiante de verdade pela primeira vez em muito tempo e... — Me espantei quando percebi que estava falando sozinha mais uma vez. — Ai, não, de novo nã... — Mas quando me virei, já revirando os olhos, Lilith ainda estava atrás de mim.
— Que foi? — Ela me encarou.
— Ãh?! Ah, bem... Nada, bem... É que eu achei... Que você tinha... Ido embora...
— Eu tô te ouvindo, Eva. E agora não saio de perto de você nunca mais, cruzes! — Nós rimos.
— Então... — Voltei a caminhar — Eu me senti confiante, acreditei na decisão que, no fundo, eu havia tomado, mas que uma parte de mim não concordava, pois achava muito arriscado. Entende? Foi muito arriscado, sim. Mas ainda bem que eu não ouvi essa parte de mim. Ou você não estaria aqui, agora. Eu tô me sentindo tão leve... Sequer sei explicar.
— Isso, Eva, se chama liberdade — Lilith colocou, e eu franzi as sobrancelhas.
— Ué. E eu já não era livre? — Dei uma leve risada.
— Faltava libertar-se de si mesma.
Lilith tinha razão. Mesmo que eu acredite que ainda falta muito para que eu me liberte totalmente do medo que me prende e me impede de seguir meu coração, aquilo, naquele dia, já foi algo grandioso. Eu consegui ganhar uma briga contra mim mesma pela primeira vez. Eu acreditei no meu potencial e fiz o que eu queria. E pensar dessa forma, naquele instante, significou muito. Até que não era tão ruim dar voz aos sentimentos...
Ali, uma reflexão mais profunda surgiu no fundo dos meus pensamentos, enquanto eu estava com o meu sucesso na cabeça, mas ainda não tinha voz o suficiente. E eu, sem querer, por já estar acostumada, apenas fingi não poder ouvi-la.
— Espera um pouco... — Lilith disse, acordando-me de minhas ideias.
— O quê? — indaguei.
A menina me puxou para o lado e saiu andando em minha frente, quase desesperada; teria sido mais rápida em seus movimentos se tivesse forças. Eu a segui, até o momento que ela parou e, com a feição transbordando surpresa, virou-se para mim:
— Uma raiz aérea.
— Tá? E... — Abri minha boca em surpresa quando percebi o que estava acontecendo. — VELHO!
Lilith e eu sorrimos uma para a outra e saímos caminhando na direção, um tanto inclinada, na forma de ladeira, em que estava aquela raiz. E foram aparecendo mais e mais das raízes que buscavam oxigênio do lado de fora do solo salgado... Até que, enfim, a ficha caiu: havíamos chegado ao mangue! Finalmente! Finalmente estávamos perto da praia!
Nós nos enfiamos dentro do ecossistema sorridentes e saltitantes, como duas crianças que aparentavam ter descoberto um tesouro. Mas era um tesouro! E nós nem estávamos fedendo menos que o mangue, devido aos dias correndo. Mas isso não importava. Trilhar o caminho na terra úmida e lamacenta, enquanto os caranguejos fugiam e nós nos esbarrávamos constantemente nas raízes respiratórias da vegetação característica, parecia a mais divertida brincadeira; o fazíamos contentes e sem nojo.
Não demorou muito para que Lilith, à minha frente, encontrasse uma trilha de pneus posicionados estrategicamente no chão por moradores locais, cobertos de cimento em seu interior, para que as pessoas que por ali passassem pudessem caminhar sobre eles até a praia. Nós seguimos a regra.
Mal podíamos esperar para chegar ao nosso destino, mas não corremos até ele; andávamos, devido às dores corporais que só não mencionei anteriormente por terem sido insignificantes naquele momento, mas que obviamente estavam ali. A felicidade estava presente, estampada em nossas feições, em nossos corações, no ar, e até em nossos machucados. A esperança é bela e verdadeira. Vale a pena o esforço.
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Eva & Lilith
RomanceJá fazia um tempo que Eva e Lilith não eram mais amigas. A primeira, por ter medo dos próprios sentimentos; a outra, por ser orgulhosa demais. No conforto do ambiente familiar do colégio, elas se davam bem em lidar com a presença uma da outra - mas...