A fazenda de cacau que nossa turma foi visitar não era tão próxima de casa; nós ligamos para nossos pais pela manhã, mas ainda tivemos que passar o dia na praia. Não foi tão ruim, visto que há um tempo atrás estávamos drogadas no meio do mato.
Maria se acostumou rápido conosco, já que depois da ligação nós conversamos com ela sobre tudo que passamos. Ela nos deixou usar seu banheiro para tomar banho, nos ofereceu roupas limpas, água e comida, e inclusive me ajudou a fazer um curativo melhor do que aquele que Lilith havia feito — bem armengado — no meu braço quando eu fui derrotada por aquele abacaxi. Um verdadeiro anjo na terra.
Maria tinha que trabalhar e nós passamos o dia ao seu lado, na barraca, conversando com ela e com algumas outras pessoas que iam ali e indagavam a nossa presença repentina e ficavam extremamente surpresas quando contávamos que tínhamos sobrevivido a tudo que passamos. Parecia até uma história inventada. Num momento, Maria nos contou que, no fim da tarde, os moradores dali iriam fazer um churrasco na praia, e eu e Lilith podíamos ficar enquanto esperávamos por nossos pais. Nós concordamos, óbvio.
Foi uma tarde calma, e de tempos em tempos eu sentia vontade de chorar. Não sei o porquê. Só que tudo foi muito difícil. A gente correu muito perigo nos últimos dias, mas estávamos ali, vivas, cercadas de outras pessoas — e pessoas decentes. Era uma ocasião simples, assim, no geral, mas depois de tudo o que havíamos passado, parecia o paraíso; mais do que qualquer coisa que eu pudesse pensar em desejar.
Depois das cinco horas, Maria já havia fechado a barraca e nos chamou até a sua casa. Lá, ela se mostrou bem mais legal do que já sabíamos. Abriu o guarda-roupa e começou a jogar peças na cama; roupas simples de verão, mas arrumadas. Ela pediu para eu e Lilith vermos o que queríamos usar e, hoje, penso que deveria ter recusado, já que já tínhamos recebido muito dela, mas aquele momento foi tão divertido que a gente só assentiu e ficou brincando de desfilar umas para as outras, em meio a piadas e risadas.
Com certeza, no churrasco, havia mais pessoas que durante a tarde na praia. Havia um carro com paredão estacionado na areia, esteiras de palha espalhadas para que as pessoas pudessem se sentar e, claro, uns tios passando por aí com pratos cheios de carne, frango e pão de alho.
— Lilith, faça o favor, rapidinho — Maria a chamou para dentro de sua casa. — Pode ir lá, Eva. — ela disse, num misto de sugestão e ordem, e eu assenti, curiosa sobre o que ela queria dizer para Lilith, mas com vergonha na cara o suficiente para não insistir em querer saber.
Fui à areia e me sentei em uma das esteiras, que estava um pouco mais afastada da multidão e de frente para o mar.
Era uma vista linda; finalmente pude ver todas as estrelas. Pude agradecer por terem guiado meu caminho por tanto tempo. Era tudo muito calmo. O som das ondas brincando entre si, o som do vento soprando... Até o som do pagodão de fundo, de certo modo.
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Eva & Lilith
RomanceJá fazia um tempo que Eva e Lilith não eram mais amigas. A primeira, por ter medo dos próprios sentimentos; a outra, por ser orgulhosa demais. No conforto do ambiente familiar do colégio, elas se davam bem em lidar com a presença uma da outra - mas...