— Você ouviu isso?! — Perguntou, animada.
Por que essa garota estava animada com uma explosão que, graças à distância, por pouco não afetou nossa audição? Se fosse eu em seu lugar, também estaria animada, mas por ter encontrado uma maneira de fugir da pergunta anterior. Porém nós somos diferentes. Lilith não foge das coisas. E justamente por isso ela saiu rapidamente da água, vestiu sua calça e seu tênis, e foi correndo atrás do lugar de onde o baque havia vindo. Ela não foge das coisas, ela as confronta! E animada!
Em uma tentativa de fazê-la mudar de ideia, saí do riozinho, peguei nossas mochilas e a segui.
— Lilith! Lilith volta aqui! — Eu gritava, seguindo-a pela floresta. — É sério isso?!
— Veio por ali! — Lilith dizia, correndo por entre as árvores.
— Menina, toma cuidado!
Eu realmente não sei correr, muito menos segurando duas mochilas. Aquilo foi extremamente injusto. Parecia não importar o quanto eu corria, apenas ficava para trás. Naquele momento, fiquei com medo de, assim como perdi de vista o rio que seria nosso guia, também me perder de Lilith. Como uma jovem consegue ser tão... atlética?
Porém, para o mínimo do meu agrado, não precisei acelerar ou procurá-la mais quando Lilith parou de correr. Ela estava um pouco distante, aparentando estar espiando algo por trás de uma árvore, e eu aproveitei para desacelerar o passo e ir até ela andando, como era melhor para o meu porte físico.
— Tá satisfeita, Lilith? Agora eu não sei mais onde tá o rio, e não temos mais como segui-lo até algum lugar. O que deu em você? É sério que...
Eu fui interrompida por Lilith me encarando enquanto fazia "xiiii" com os dentes cerrados.
— "Xi"?! — Indaguei, completamente indignada.
— Eva, quieta, vem cá — ela sussurrou, me puxando para perto de si.
Lilith apontou rápido para o que estava assistindo além da árvore. Eram caçadores.
— Pelo amor, Lilith, vamos dar o pé daqui! — Exclamei, surpresa, num sussurro.
Com base na área em que estávamos quando nos perdemos, imaginei logo que se tratavam de caçadores ilegais. E com base no barulho que havíamos escutado há alguns minutos, eles estavam armados. Não era interessante ir até eles.
— Lilith, a gente não pode pedir ajuda a eles. É perigoso — sussurrei, depois de receber um silêncio como resposta à exclamação anterior.
— Não é isso, Eva. Eu não quero ajuda deles. Olha ali... — ela apontou. — Eles tão sequestrando micos. Isso é errado.
— Nossa, você conhece a lei?
— Ai, Eva, como você é hilária — ela revirou os olhos, e eu espontaneamente deixei escapar um sorrisinho de canto. — A gente tem que fazer alguma coisa.
Ao ouvir sua última frase, qualquer resquício do sorriso bobo que alguma vez estivera em meu rosto desapareceu por inteiro.
— Pera, o quê? — Perguntei, sem acreditar no que havia acabado de escutar.
— A gente não pode deixar eles sofrerem nas mãos desses monstros, Eva. Temos que fazer algo! — Lilith disse, começando a andar na direção dos homens.
Por pouco, consegui segurar seu braço e puxá-la, impedindo-a de seguir com sua ideia maluca.
— O que é, Eva? Me solta! — Ela se irritou.
— Lilith, pensa um pouco! Eles estão armados, você não pode simplesmente chegar lá e soltar os animais — eu disse, e Lilith parou para pensar um pouco.
— É verdade — respondeu, começando a seguir o caminho contrário do que iria levá-la aos caçadores.
Eu, estática e confusa, apenas a olhei andar.
— Sério? — Perguntei. — Tipo, fácil assim?
— Vem logo, Eva. Vamos procurar o rio — Lilith disse, e eu voltei a segui-la após ter apanhado as mochilas que eu havia deixado encostadas em uma árvore.
— Nossa, você tá bem diferente. Sério! Pensei que ia ter que ir até os caçadores implorar para que eles não tirassem sua vida. Sabe, é muito triste o que esses animais estão passando, mas nós não vamos conseguir deter esses homens. Eles com certeza são mais fortes que duas meninas do Ensino Médio, e também estão armados. Nós perderíamos, e nos juntaríamos aos micos no sofrimento. Ainda bem que você desistiu, Lilith. Estou surpresa! Nós podemos denunciar esses caras quando conseguirmos voltarmos para casa, mas para isso precisamos estar vivas. Muito obrigada por ter me escutado e...
Cara leitora, ao ler tamanho discurso feito por mim, sem interrupções ou reações de minha companheira de sobrevivência, suponho que já tenha percebido o que aconteceu, e o que iria acontecer em algum momento ou outro. Realmente, aquilo era muito estranho, fui ingênua ao aceitar a situação. Parei minha fala quando percebi que Lilith já não estava mais à minha frente. Pelo contrário: olhei para trás, e a garota estava já distante, no que eu a vi correr até o fundo de um dos carros dos caçadores, acredito que a fim de esconder-se.
Acho que nunca fiquei tão irritada desde que nos perdemos.
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Eva & Lilith
RomanceJá fazia um tempo que Eva e Lilith não eram mais amigas. A primeira, por ter medo dos próprios sentimentos; a outra, por ser orgulhosa demais. No conforto do ambiente familiar do colégio, elas se davam bem em lidar com a presença uma da outra - mas...