Não se demorou muito para, da mesma forma que saiu de casa, voltar correndo e direta para os braços de sua Aba. Rose pulou do coche antes mesmo de parar completamente, ouviu os gritos de seu tio a lhe chamar, mas não parou de correr.
— Purquê essa agunia toda, minina? U qui passô a voismicê?
Rose segurou na mão de sua Aba, via o contraste entre suas peles.
''A da garota presa era um pouco mais escura, decerto, mas... '' Foi o que a menina pensou.
— Você é uma pessoa, Aba.
Era mais uma afirmação do quê uma pergunta, mas a velha senhora respondeu da mesma forma:
— Ué, pissua tudu muno é, né não?
— E se fosse mais um pouco escura a sua pele, ainda seria uma pessoa, não é mesmo?
Naquele momento Aba sabia do quê a menina a sua frente falava. Tinha memória boa, lembrava-se da sua mãe com exatidão. As histórias do seu povo ainda ecoavam em sua memória como um cântico de amor e saudades.
— U qui é isso aqi? — Aba apontou para a mão de Rose que de pronto respondeu:
— Minha mão, oras!
— Erça aqi, né man tumbeim? —a senhora apontou para a sua mão calejada do trabalho braçal. — I si fechá ses zoinhu lindu, né man du mismu jêtu? Aqui — Aba apontou para o peito de Rose — num divia tê difirença, divia?
— Mas...
Rose não entendia, não conseguia entender, se eram iguais, se eram pessoas, porque seu tio os prendia como animais?
— Purquê? Issu qui cê qué sabê, num é memo? Purque, minina, inxergum mai cum iste zoinhos lindu du quê cum os qui existe aqi dento.
Mais uma vez a mão da menina foi pousada acima do seu próprio coração. E algo que ela ainda não sabia nomear brotava em sua alma, um certo desejo, uma certa vontade... Rose sentia que havia algo muito errado acontecendo e a força para fazer algo a respeito começava a incendiar seu peito tal qual brasa que há muito estava apagada e que agora é atiçada pela força do vento.
A menina e sua Aba ficaram eretas ao ouvir os passos tão conhecidos adentrarem ao quarto. A senhora Caterine entrou e encarou sua filha, seu olhar varrendo cada mínimo detalhe da garota que para ela era uma imperfeição: seus cabelos sem penteado, sua roupa amarrotada...
O olhar de sua mãe sempre a incomodou, e diante de tanta atenção em si mesma, Rose sempre encarava seus próprios pés. Se ela continuasse a olhar para mãe, poderia ver que em todos os anos de sua vida, a Senhora Caterine nunca dispensou um olhar sequer em direção a Aba.
— Onde esteve?
Rose segurou suas próprias mãos por detrás das costas, torcendo os dedos em um evidente gesto de nervosismo.
— Fui... Estive...
— Deixe a menina em paz, minha irmã. Esteve comigo. — Frederic interrompeu a irmã antes que ela pudesse reclamar com Rose sobre sua gagueira repentina.
— Que bons ventos lhe trazem de volta, meu irmão!
Abraçando-se a Frederic, Caterine sorriu amplamente. A vinda do irmão significava muitas novidades e presentes, e ela aguardava ansiosamente por cada um deles.
— Tenho muitas novidades para lhe contar, Caterine! A sorte nos sorriu nessa empreitada!
O pai de Rose havia morrido com a última praga que alastrou a cidade, foi uma das doenças mais terríveis que aquela terra já viu. Desde então, Caterine e Frederic, de posses da herança que ficou do falecido, galgaram sua posição na sociedade. Entretanto, o dinheiro estava se findando, por isso o desespero de Frederic para encontrar novas riquezas, e a agonia de Caterine para arranjar um casamento para Rose.
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Sorriso de Sol
Historical FictionTodos os dias somos chamados a refletir sobre o nosso passado. Seja ele um advindo dessa vida, ou de outras existências em que não lembramos com exatidão. E apesar de não lembramos, sempre teremos resquícios de nós, guardado em nosso disco de memór...