Capítulo 3

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Aba apareceu e o instante que havia se consolidado ali foi perdido como inúmeros instantes que voam.

— Ihhh, vai é si metê in cunfuzan dinovo! — agarrou a moça pelo pulso e a levou a reboque em direção à cozinha enquanto dizia:

— Dêxa quieu cudo.

Rose encarou a sala agora vazia, parecia faltar algo. Queria saber mais sobre aquele povo, queria descobrir que tipo de força existia ali, ela nunca viu alguém na situação em que eles estão ter um olhar tão determinado... Como se... Como se estivessem se recusando a quebrar por dentro, foi isso o que a menina pensou.

Não encontrou mais a moça. Passou toda a tarde ouvindo sua mãe lhe dar conselhos enquanto a arrumavam para o jantar, e ela nem se incomodou em ter a sua mãe falando o tempo inteiro sobre o seu futuro pretendente. Isso parecia tão absurdo ao olhar de Rose que fingiu não ser real.

Mas a noite estava chegando e com ela o jantar, tão esperado por sua mãe, se tornava cada vez mais real. A verdade é que a menina não gostaria mesmo de comprovar se seu noivo seria real ou não. Aproveitou seu momento de privacidade e logo retirou as anáguas e prendeu o cabelo em um coque. Estava pronta para pular a janela do seu quarto quando Aba entrou com a moça.

— I tá é achanu qié passarin, minina?

Rose deu um passo para trás e olhou para o chão de modo envergonhado.

— Só quero fugir desse jantar, Aba! — Seu olhar era de desespero, encarou o chão para não permitir serem vistas as lágrimas que se formavam.

— I a mãe dôcê, vá discontá im qem?

— Ela não costuma descontar em ninguém, Aba! Que despropósito!

— Nalguem pága, minina. Nalguem sempi qui pága. — Aba aponta para a moça que parecia desconfortável demais usando um vestido.

— Ela não a machucaria por minha causa!

— I tá quereno é discubri?

Rose deu um passo mais para perto de Aba e recolocou suas saias de baixo, soltou seu coque, e sua mão apertava com força o vestido em um punho cerrado.

— Nalguem sempi qui pága, num isquece.

Aba era mestiça da primeira leva do seu povo trazida há tempos. As memórias ecoavam em sua cabeça como os grilhões que jamais deixam de fazer barulho em seus ouvidos. Lembrava-se muito bem dos castigos, da forma em que muitos dos seus morreram. Não tinha recordação do seu lar, contavam sobre uma terra onde poderiam viver livres, correr pelos campos e serem felizes. E Aba esperava o tempo de sua vida terminar para que pudesse ir a este céu do seu povo, porque pelo tempo que viveu sabia que esse céu não poderia ser aqui.

Aba tocou de leve no queixo de Rose, tinha uma preocupação a mais com a menina. A velha senhora sabia que alguém como Rose estaria fadado ou a grandes coisas, ou a minguar em uma gaiola. E tinha medo das duas opções.

— Si chama Rúbi. — aponta para a moça que deixou seu ar desconfortável de lado para acompanhar cada gesto de Rose.

— Rubi... — testou a sonoridade de seu nome.

Estavam a sós agora e Rose apontou para o próprio peito e disse seu nome:

— Rose.

Ela tentou abrir a boca e falar, Rubi realmente tentou. Mas as palavras eram diferentes e era como juntar sons que desconhecia. A viu sorrir em sua tentativa falha de falar, mas não era um sorriso ruim. Rubi se sentiu mais acolhida naquele sorriso do que em meses navegando com os invasores. Questionou-se como um sorriso seria capaz de fazer acalmar a dor que existia em seu peito desde que foi arrancada do seu solo, da sua terra.

Rubi descobriu rapidamente junto com Aba, que era livre naquela casa, mas jamais poderia sair de lá sem Rose. Na casa era invisível e confiando nessa invisibilidade foi que teve a coragem de sair do quarto quando Rose foi levada a reboque pela mãe.

Era tudo tão diferente, tudo tão incomum. Trancavam-se em imensas construções e cobriam-se com panos e mais panos, como se quisessem se esconder de algo.

Viu o homem de tez séria se curvar e depositar um beijo na mão de Rose, não sabia quem era, mas sentiu como se a menina estivesse sendo presa sem correntes. Era isso então? Ela também havia sido levada a força de algum lugar? Deveria ser, pois não conseguia enxergar semelhanças entre Rose e os outros.

Tentava a todo custo compreender aquela estranha língua. Observou enquanto se alimentavam em superfícies planas e brilhosas, o alimento esquisito ornava toda a mesa, havia fartura tão somente para quatro pessoas. Seu povo costuma dividir a comida igualmente, poderiam até passar fome, mas faziam isso junto. E a mesa farta mostrava mais uma diferença entre a sua terra e essa, o alimento sempre fora respeitado pelo seu povo, a caça era reconhecida e tratada com o devido respeito, não havia restos ou sobras.

A menina perdera o brilho, Ruby percebeu. Era como ver o sol se pôr bem diante dos seus olhos. Presa sem correntes, como alguém seria capaz de apagar um sol tão bonito? Era o questionamento que passava pela mente de Rubi naquele momento.

Rose ficou toda a refeição sem nada dizer, sem nem mesmo levantar o olhar para alguém. Essa atitude foi vista por Avilez, o seu pretendente, como uma atitude de alguém educado e comportado, tudo o que Caterine acreditava que ele queria e precisava em uma esposa.

Rose estava triste, aquele homem causava nela arrepios e ânsia de vômito. Nunca se sentiu tão acuada diante de alguém. A sua comida ficou no prato aquela noite, fingia que depositava pequenos bocados em sua boca, mas era impossível engolir qualquer coisa naquela presença tão opressora. Era pior do quê o que sentia pela sua mãe, muito pior.

O tempo passou como o badalar de um relógio contado a cada mínimo segundo, mas passou. Avilez sorriu em direção a Rose antes de beijar sua mão enluvada, ela tinha posto a luva rapidamente após o almoço, não queria ter sua pele em contato com ele.

A mãe de Rose pediu para que ela saísse, disse que tinha negócios a tratar com Avilez. Rose saiu dali quase correndo e quando chegou ao seu quarto, escorregou as costas pela parede até alcançar o chão, lá abraçou seus joelhos e escondeu seu rosto quando soluços de um choro sofrido se iniciaram.

Percebeu o toque em seu antebraço como uma pluma que lhe acaricia a pele. E quando levantou o olhar, os olhos negros de Rubi a encaravam com tamanho carinho que Rose apenas se jogou em direção a ela, alojando-se ambas em um abraço meio desengonçado.

Rubi queria fazer com que ela parasse de chorar, podia sentir a dor de Rose. Colocou sua cabeça em seu colo enquanto estavam ainda no chão e enquanto as lágrimas desciam pelo rosto de Rose, Rubi as desenhava com o dedo, traçando exatamente o caminho de cada gota até que elas pararam de cair.

Enxugando o rosto com as mangas de seu vestido, Rose encarou Rubi. Queria conversar com ela, dizer que não queria passar o resto da vida com aquele homem que a sufocava, olhou para baixo, entristecida porque a garota não iria compreendê-la.

Rubi então apontou em direção ao coração de Rose e após, ao seu. Mostrando a Rose que certas coisas não precisavam de palavras, mostrando que a menina não estava sozinha. Então um abraço completo se formou neste momento, e foi como unir dois pedaços de uma metade, como encaixar duas peças perdidas há muito tempo.

Sorriso de SolOnde histórias criam vida. Descubra agora