Algumas semanas se passaram e Aviléz percebia o quanto Rose sentia a falta de Rúbi. O povo de Rúbi já conseguia se comunicar um pouco usando a linguagem do local e estavam se adequando àquela vida, mas também pareciam tristes. Um deles havia fugido, estava sendo caçado em inúmeras fazendas, pois logo se tornou conhecido pelas atrocidades que estava cometendo por onde passava. Seu rastro indicava que seguia até onde Rúbi estava.
Com o pensamento de trazer de volta a alegria e a vida de sua esposa, Aviléz retornou ao encontro de Caterine.
— Ora, o que faz aqui?
— Quanto quer por ela? — Aviléz não demorou-se a falar para o quê realmente havia o levado até este encontro.
— Rúbi? Acredito que seja inestimável para mim.
— Ambos sabemos que ela não significa nada para você.
— E está certo, mas significa para Rose. E como o Senhor bem disse, daria o mundo a ela se ele fosse seu, mas pelo visto, não o é.
— Diga-me o preço.
— Direi. Quando for Rose a me implorar, darei um preço e poderão leva-la daqui. Os aguardarei daqui a uma semana.
Aviléz retornou para sua fazendo pensando consigo mesmo se iria dar prosseguimento aquela situação.
Suas dúvidas sanaram-se quando olhou para Rose, que parecia mais uma vez entristecida.
— Sente mesmo a falta de Rúbi, não é?
— Sinto. Quando a vi pela primeira vez, foi como se reencontrasse alguém a quem muito amo. Sei que é um pouco estranho o que estou lhe falando, mas sinto como se tivéssemos sido um dia duas metades que se perderam pelo caminho.
Com isto dito por Rose, Aviléz lhe contou o que Caterine disse.
— Irei! Implorarei se preciso for, Aviléz! Nenhum orgulho é maior do que ter Rúbi de volta junto a nós.
Com isto a felicidade retornou àquela casa e Rose contava os dias que faltavam para finalmente poder rever Rúbi.
***
O dia finalmente havia chegado e Aviléz sorria ao vislumbrar toda a alegria e animação de Rose. Colocava-se no lugar dela e não estaria tão feliz, estaria irritado por ter que se humilhar diante de Caterine, mas Rose só conseguia ver o lado positivo de toda a situação.
Assim que se aproximaram da entrada principal da fazenda, o sorriso sumiu da face de Rose. Dando lugar ao horror que sentiu a encarar toda a cena a sua frente.
Um imenso mastro estava posto bem em frente ao acesso principal da casa grande. Nele Rúbi estava amarrada, nua e ferida.
— Olha, padre, os convidados chegaram.
Só então Rose pôde ver o padre a observar toda a cena. Caterine estava com um pontudo ferrete com a ponta em brasa viva.
— O que você fez? Rúbi!
— Disse ao seu esposo que a venderia, não disse em que estado.
— Por que você é tão má? O que te fizeram para que aja dessa forma com as pessoas?
— Eles não são pessoas! Essa foi uma lição que nunca lhe dei, confesso que tenho certo grau de culpa.
— Por favor, por favor, não faça isso.
Com a súplica de Rose, Rúbi despertou. Mesmo com seu rosto disconfigurado, seus olhos pretos brilhavam na escuridão.
— Não, não, não, por favor!
Aviléz segurou Rose pela cintura e tentou esconder seu rosto para que não visse a cena que se seguiria, mas foi em vão. Rose se debatia tentando alcançar sua mãe, tentando impedi-la.
Caterine caminhava a passos largos em direção a Rúbi.
— Já lhe disse para não me olhar assim! Odeio esse seu olhar, se acha superior a mim? Sua negra imunda!
Ergueu então o ferrete pontudo e em brasas e desferiu um golpe no rosto de Rúbi que rasgou parte de sua face, de sua boca até metade de seu rosto. Sangue rojava enquanto Rúbi convulsionava de dor.
— Você é um monstro! Um monstro! Vocês dois são! Porque o senhor, padre, é tão culpado quanto! Carrega essa cruz e essa roupa como uma fantasia para iludir e enganar, mas quando um dos pequeninos do Cristo está diante de você em sofrimento, bate palmas, aplaude o espetáculo! Suas mãos também estão sujas de sangue!
A mãe de Rose se aproximou dela, falou baixo para que apenas o casal ouvisse o que ela diria:
— Você não pode ter tudo, Rose.
— Por que você me odeia tanto?
— Você teve tudo o que eu nunca tive, e por quê? Que mérito tem você? Eu lutei por tudo, para você veio com facilidade, por quê? Não deveria ter levado a pé essa gravidez, sua vida só me trouxe desgosto.
— Vamos embora.
Caterine sorriu, só então Aviléz percebeu que estavam cercados.
— Senhora Caterine me contou sobre as crises de insanidade de sua filha, pude presenciar duas, já é o suficiente. Contactei a igreja e achamos que o melhor para ela será viver em clausuro. Agora mais que nunca, já que cometeu perjúrio contra Deus.
— Aviléz...
Rose tentou se agarrar a ele e Aviléz tentou lutar para tê-la de volta perto de si. Mas foram separados. Rose foi presa como a um bandido e levada no fundo de uma carroça.
Passou o restante de sua vida presa em masmorras de grandes igrejas, onde tentaram apresentar a ela o Deus que enxergavam na bíblia. Ela morreu de fome anos mais tarde, quando passou a se recusar a comer.
Aviléz a procurou por muitos anos, morreu de tristeza, sozinho, em terras que não significavam mais nada ao seu coração. Ele concedeu liberdade a todos os inúmeros escravos que possuía, fez isso por Rose. E por anos o Estado lutou contra grupamentos de negros nas florestas, eles eram conhecidos como quilombolas. Pretos que nunca esqueceram-se que nasceram livres e que ninguém jamais poderia torna-los em algo que não são, não sem o seu consentimento.
O filho bastardo de Aviléz nasceu, mestiço e forte como o pai. Herdou toda a fazenda quando seu pai veio a falecer e também a fidelidade de todos os escravos libertos. Nem mesmo a alegria de ter o jovem François por perto, tirou dele a tristeza por não ter Rose.
A Colônia francesa possuía no ano de 1791 grande totalidade de pretos e aqueles alforriados por Aviléz tornaram-se a base de uma grande revolução por direitos iguais que foi chefiada por François.
Nos perguntamos neste instante, após essa história verídica, quantos de nós estivemos um dia naquela situação, quantos de nós fomos agressores ou agredidos e quantos de nós continuamos nessa luta infundada e violenta.
Que possamos ter o olhar mais amoroso diante da vida, que possamos respeitar a todas as existências como obra prima do Criador, pois enquanto houver injustiçados haverá também aquele que se acha no direito ao revide e essa, meus amigos, é uma batalha sem fim.
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Sorriso de Sol
Ficción históricaTodos os dias somos chamados a refletir sobre o nosso passado. Seja ele um advindo dessa vida, ou de outras existências em que não lembramos com exatidão. E apesar de não lembramos, sempre teremos resquícios de nós, guardado em nosso disco de memór...