Aba teve que tirar Rubi do quarto de Rose naquela noite. Dormiram tarde as duas, Aba mostrava para a garota como limpar e fazer as comidas deles, como tratar de suas roupas e a garota tentava aprender tudo o máximo que podia, prestava também muita atenção ao modo com que Aba falava, identificava que existia certa diferença na forma em que Aba e Rose falavam, mas pelo menos Rose entendia o que Aba dizia. Seu esforço era mais por tentar aprender a língua para poder se comunicar com Rose. Via na menina, além de uma pessoa confiável, uma forte aliada para o seu povo. Queria revê-los e precisava de ajuda. Mais que isso, era a sua função, o seu papel, retirar as correntes impostas aos seus e Rúbi não descansaria enquanto não fizesse isso, mesmo que precisasse se adaptar a uma realidade que lhe era estranha. Não seria a próxima líder da sua tribo em vão, era sábia a menina, sábia, paciente e forte.
Passava as noites tentando memorizar e entender as conversas que ouvia durante o dia. Apontava para as coisas que conhecia para que Aba lhe dissesse os nomes em sua língua, assim tentava aprender.
A casa esteve muito movimentada por dias, Rúbi não entendia porque tinha que ficar longe de Rose, mas Aba não lhe deixava sozinha por um segundo sequer. Ela ficou trancada na cozinha com Aba por dias, até que o movimento lá fora acalmou.
Foi um pedido que Rose fizera a Aba, para que cuidasse com esmero de Rubi, pois muitos desconhecidos frequentariam a casa nos dias que se seguiriam e ela não queria que nada de mal se passasse a Rubi.
A imensa casa da família de Rose parecia ter adquirido vida. O roçado estava sendo trabalhado, empregados e escravos andavam de um canto ao outro e novos cavalos chegavam a todo o momento.
A mãe de Rose estava radiante distribuindo ordens a torto e a direito. Seu tio havia vendido muitos dos escravos e o a fortuna voltava a ornar a casa e a vida da família. Avilez não só aceitou ao dote oferecido para desposar Rose, como disse que pagaria cinco vezes mais do que gostariam.
Rose estava noiva e esse seria o primeiro dia que sairia para um passeio com Avilez. Sua mãe escolhera o vestido que parecia lhe sufocar a cada passo. O ideal seria que Aba ou alguma outra dama a acompanhasse, mas a mãe de Rose, como prova de boa fé, ou desespero em se ver livre da filha, mandou-a sozinha.
Avilez parou com seu próprio coche na propriedade. Seu olhar iluminou ao encarar Rose que estava estupenda em seu belo vestido, lhe fez um gesto para que lhe acompanhasse em sua carruagem, mas Rose declinou.
— Podemos ir com Pietro? — dessa vez falou o nome de Pedro como sua mãe dizia, mas isso não minimizou o estarrecimento dela ao ver a filha contestando ao Senhor Avilez.
Antes que a mãe pudesse lhe dizer qualquer coisa, Avilez fez um gesto com a mão. Essa foi a primeira vez que Rose lhe dirigiu a palavra, o intuito em marcar estes passeios era exatamente este, ouvir e conhecer sua futura esposa.
— Claro que podemos, Rose, se isso lhe deixa mais confortável.
Ela acenou agradecendo antes de aceitar sua mão e subir na carruagem que sempre fora conduzida por Pietro. Sentia-se melhor com alguém conhecido por perto, mesmo que esse alguém fosse Pedro.
O Sol estava a pino, os cabelos loiros de Rose tomavam uma coloração dourada toda vez que os raios de Sol os tocava, o que não passou despercebido por Avilez.
— Você está bem?
Rose se sobressaltou com a voz, estava imersa em pensamentos e perdida na paisagem dos campos que passavam à medida que a carruagem seguia.
Tinha vontade de falar que não. Que nem o conhecia, que não gostaria de casar com ele, que aquele vestido a estava sufocando e que sentia que tinha algo a fazer, algo que precisava ser feito com urgência. Mas, apenas abaixou a sua cabeça mais uma vez.
— Rose, repetirei a pergunta: você está bem?
E dessa vez o encarou. Avilez era um homem que não parecia sorrir muito, sua testa estava marcada por vincos de preocupação que não condiziam com a sua idade. Seus olhos eram de cor amêndoa claro, sua barba baixa, porém cheia e seus cabelos lisos e lustrosos. Ele tinha a pele amendoada em decorrência do contato com o Sol, às vezes parecia avermelhada, não era em um tom tão alvo quanto à de Rose.
— Eu não sei o que estou sentido, mas não está próximo de estar bem.
Tapou a boca com as mãos assim que falou a frase que lhe escapou.
— Eu... Eu... Sinto muito.
Avilez a encarava de modo minucioso, até que sorriu.
— Não precisa se desculpar, está tudo bem. É a forma como se sente, não é? E não fui eu a perguntar? Então sabia que poderia ter qualquer resposta, uma que me agradasse ou que não agradasse.
Rose o encarou pela primeira vez sem o peso da palavra casamento. Não sabia se esse Avilez que via agora era o Avilez de verdade, não poderia saber se não tentasse descobrir e se fosse esse, talvez não fosse alguém assim tão difícil de se conviver.
Tomaram chá em um pequeno e bem frequentado bistrô. Eram a todo momento interrompidos por um ou outro homem que cumprimentava Avilez.
— Prometo que nosso próximo passeio não será tão catastrófico quanto este.
Ele parecia verdadeiramente envergonhado. Rose percebeu que ele era alguém conhecido pelas pessoas, e não tratou de mau humor a nenhum que veio ter com ele.
— Não foi catastrófico. Bem... Apenas um pouquinho.
E mais uma vez o sorriso. Rose não sabia, mas estava sendo a alegria de alguém que não conhecia essa palavra há muito tempo. Avilez teve que crescer muito cedo, seu pai convalesce em uma cama, sua mãe é falecida e ele criou a irmã praticamente sozinho. Tocando os negócios da família e tendo que cuidar do seu lar, nunca teve tempo para seus próprios desejos ou alegrias.
— Então lhe prometo que será um pouquinho menos catastrófico.
Rose sorriu verdadeiramente pela primeira vez em sua presença, e foi esse o último dos laços que ligou este coração ao dela.
Não olhou para a sua mãe quando desceu da carruagem, Avilez apenas lhe acenou em despedida. Por algum motivo, Caterine não havia ficado feliz ao ver o sorriso da filha na presença do homem.
Rose andou em direção ao seu quarto e ficou feliz assim que retirou os laços que lhe apertavam no vestido, suspirou em alívio antes de ouvir uma simples palavra dita por Rubi pela primeira vez:
— Rosa.
Era o seu nome, bem, mais ou menos, mas nunca ouviu algo tão bonito. Abraçou Rubi em extrema alegria e apontou para a garota, dizendo:
— Rubi.
Ela acenou de forma negativa e disse em seu sotaque rico:
— Rúbi.
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Sorriso de Sol
Historical FictionTodos os dias somos chamados a refletir sobre o nosso passado. Seja ele um advindo dessa vida, ou de outras existências em que não lembramos com exatidão. E apesar de não lembramos, sempre teremos resquícios de nós, guardado em nosso disco de memór...