No meio do dia Pedro retornou a fazenda de Aviléz com novo recado, a Senhora Caterine solicitava com urgência os escravos prometidos.
— Nada cederei à senhora Caterine, ela bem sabe que não temos negócio algum.
— Com todo o respeito, Senhor Aviléz, ela me instruiu caso o Senhor se negasse a cumprir a palavra, a lhe levar para breve conversa. Disse que caso o Senhor se negasse a ir ao seu encontro, Rose iria sofrer.
Aviléz pensou um pouco. Era acostumado com seres ardilosos, mas aquela mulher tinha um alvo em mente, e este alvo era a dona do seu coração. Ele não correria o risco e Caterine sabia disso, por isso instruiu Pedro dessa forma.
Saiu da fazenda dizendo que iria resolver negócios, acompanhou Pedro com seu cavalo e logo chegaram até a fazenda de Caterine.
— Senhor Aviléz, que alegria! Aceitou ao meu convite!
— Não acredito que uma ameaça possa ser chamada de convite. O que deseja?
— Onde estão meus modos, vamos, entre! — Caterine continuou a sorrir, negando completamente a frase e o tom usados por Aviléz.
Sentaram-se na antessala e Caterine pediu um chá a uma escrava.
— Não estou aqui para tomar chás. Sabe que não cederei nenhuma força de trabalho a Senhora, não tivemos tal acerto.
— Antes que o Senhor diga algo que possa arrepender-se, gostaria de lhe mostrar isso.
Deu-lhe um papel de arrendamento.
— É um contrato de posse de um escravo.
Aviléz disse o óbvio.
— Sim, é. Antes que rasgue lhe digo que se trata de uma cópia de um contrato de posse sobre Rúbi. E no nome de quem está? — Avilez leu o nome de Caterine, então percebeu o que ela tentava fazer, seu grande trunfo— Meu irmão deu Rúbi a Rose apenas de boca, os papéis nunca foram passados para o nome dela. Agora poderemos repensar sobre nosso acordo de auxilio?
Aviléz saiu da fazenda de Caterine com a promessa de que pensaria nos termos oferecidos. Se fosse por ele, devolveria Rúbi. Não valeria o risco colocar cinquenta dos dele naquela fazenda. Nada acertou porque precisava primeiro conversar com Rose, e isso foi percebido por Caterine, deixando-a ainda mais irada.
Assim que chegou em casa passou todo o ocorrido a Rose. A viu pensar por algum tempo e depois dizer:
— Porque não compra Rúbi? Se oferecer uma quantia grande, aposto que ela aceitará.
— Não acredito que sua mãe vá aceitar Rose, não é sobre dinheiro. E os que forem mandados para trabalhar lá, duvido que retornem com vida ou com saúde.
— Eu não consigo me conformar com isso, Aviléz! É um papel, um papel que diz que alguém é proprietário de outro. Eles foram arrastados para essa terra, estavam vivendo em seus lares e foram arrastados como bichos, colocados em correntes e vendidos como peças. Como alguém pode não ter o direito de definir sua própria vida, seu próprio destino?
— O que podemos fazer é dar este direito a Rúbi, converse com ela sobre o que está acontecendo e deixe que ela decida.
O povo de Rúbi se recuperava cada vez mais, já ajudavam com o que podiam e passavam a fazer parte daquela fazenda. Rose procurou Rúbi entre eles e logo a encontrou.
— Posso conversar um pouco com você?
Rúbi acenou. Sentiu que era séria essa conversa, porque Rose estava com uma sombra no olhar que não era sua.
Ao explicar todo o ocorrido, Rúbi ficou por algum tempo calada.
— Eu sinto muito, Rúbi. Ninguém deveria ser dono da vida de outra pessoa.
— Vô voltá intaum. Num queru que ninguém passi pelu que sua mãe fez neu. Só... cuida du povu pretu.
— Cuidarei dos que ficaram e tentarei de tudo com minha mãe para lhe ter de volta.
— Sei qui vai.
Abraçaram-se. Mal sabia Rose que seria a última vez que sentiria aquele abraço.
Rúbi voltou até seu povo, explicou toda a situação, o que não foi bem aceito por ninguém ali. Mas ela era a líder e sua palavra era lei.
Na manhã seguinte Aviléz saiu com Rúbi, deixando Rose com o coração apertado e com um sentimento ruim.
Ao chegarem até a fazenda de Caterine, logo ela percebeu que seu plano não saiu tão bem quanto desejava.
— A Senhora tem os papéis, ela é sua.
Foi o que Aviléz disse sem ao menos descer do seu cavalo.
— Irei perder metade da minha colheita!
— Ambos sabemos que o assunto nunca foi sobre colheitas. Porque a odeia tanto? Porque a felicidade de sua filha a deixa tão inquieta? Porque saber que Rose é amada, respeitada e querida, a deixa com tanta raiva? Saiba, Senhora Caterine, que daria o mundo a sua filha se este mundo fosse meu, é este o tamanho do amor que sinto por ela, e você não irá mais machucá-la.
Ele saiu deixando Rúbi para trás e uma Caterine que espumava de ódio. Mas quando se tira todas as cartas de alguém como Caterine, ela passa a agir em seus extremos.
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Sorriso de Sol
Ficción históricaTodos os dias somos chamados a refletir sobre o nosso passado. Seja ele um advindo dessa vida, ou de outras existências em que não lembramos com exatidão. E apesar de não lembramos, sempre teremos resquícios de nós, guardado em nosso disco de memór...