Foi Rose quem primeiro despertou dessa vez. Encarou Aviléz e aguardou que ele abrisse seus olhos, o que não demorou muito tempo.
— Bom dia.
— Acabamos adormecendo aqui, Rose. Sinto muito, deve ter sido a primeira vez que adormeceu ao relento.
— Sim, foi. Mas eu gostei da experiência, das duas novas experiências.
Ela estava exatamente como ele imaginou que estaria: seus cabelos mais volumosos, olhos brilhantes e lábios corados. Se pudesse escolher um quadro para pintar de Rose, seria esse. Mas como não poderia pendurá-lo em canto algum, retirou essa ideia do pensamento.
— E caso não queira passar por uma nova experiência não tão agradável assim, é melhor voltarmos ao casarão. Os trabalhadores daqui a pouco estarão aqui, costumam se banhar por essa área.
Apenas durou o tempo de se erguerem e vestirem-se de modo desgrenhado, perceberam que já era tarde demais. Ele a olhou, aguardou que ela tivesse alguma reação e mais uma vez se surpreendeu com Rose:
— Vamos! Disse que tem um rio por aqui, não é?
— Tem, mas...
— Eles já nos viram mesmo, que mal há?
Caminharam de mãos dadas e sorrindo. Os escravos acenavam e sorriam quando passavam por eles, alguns pareciam ter mais vergonha de Rose do que ela deles.
Ele a viu tirar seus sapatos e saltar sobre uma imensa pedra. Um vento forte passou naquele instante e Rose abriu seus braços e sorriu, como se estivesse recebendo um carinho de algum ser invisível. Não foi apenas ele que admirou este momento, todos que ali estavam observaram e foi como se o tempo houvesse pausado por instantes.
— Venha! Não desejo entrar ou ficarei empapada de água sem nem conseguir caminhar.
A água não era funda alí, Aviléz entrou sem se preocupar com as roupas que molhariam e pegou Rose no colo. A água batia na cintura dele que a ergueu para que não molhasse nada além das suas pernas.
— Isso é bom. — foi o que ela lhe disse.
— Não é um banho completo, mas dá para se aproveitar.
— Não estava falando do banho pela metade, falei sobre estar com você. Tive um pouco de medo de que após o casamento algo fosse mudar e você se tornasse como alguns homens que eu tive o desprazer de conhecer em nossa sociedade, mas você continua sendo você, pelo menos comigo.
Havia momentos como estes em que Rose conseguia ser ao mesmo tempo ingênua e extremamente sincera em suas colocações.
— Acredito que eu deva te mostrar algo.
Ela franziu a testa, sentindo que era algo realmente sério. Aviléz saiu do rio ainda com ela no colo e a depositou no solo quando chegaram em terra firme.
— O que há de tão sério?
— Na verdade, é uma situação que não consegui resolver de nenhuma forma amistosa. Lembra-se do último navio negreiro que aportou? Comprei boa quantidade dos escravos, mas eles não reagiram bem.
— O que quer dizer com 'não reagiram bem'?
— Eles são muito agressivos em sua maioria, e pararam de se alimentar há um tempo. Estão doentes. Os separei em um galpão. Os escravos da fazenda tentaram se comunicar ou alimentá-los e eles não aceitaram também.
— Isso é terrível, Aviléz! Vamos, preciso que me leve até eles!
— Este não é um ambiente que gostaria que você fosse.
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Sorriso de Sol
Historical FictionTodos os dias somos chamados a refletir sobre o nosso passado. Seja ele um advindo dessa vida, ou de outras existências em que não lembramos com exatidão. E apesar de não lembramos, sempre teremos resquícios de nós, guardado em nosso disco de memór...