Capítulo 7

2 0 0
                                    


Acordou como outro dia qualquer: o Sol afigurava a bela paisagem em sua janela, o vento da estação adentrava como um suspiro cansado e a vida lá embaixo continuava como sempre foi.

Parecia outra pessoa encarando a paisagem. Olhou para suas mãos e lembrou-se dos cortes de Rúbi, nunca desejou tanto fazer sua mãe pagar por cada um deles, mas todo grito seu, cada uma das respostas que poderia dar, seria um novo talho na pele de Rúbi. Havia aprendido isso do modo mais difícil possível.

— Dexa sá carina feia di dó, minina!

— Não é dó, Aba! É outra coisa! Algo que está... Como se algo estivesse em estado de ebulição em meu peito. — respondeu à velha que sempre esteve ao seu lado.

— Pêto di minina dói, né non? Minina intende, né? Intendi agora qui alguém sempri qui pága. U lado frácu minina, essi qui qebra!

— Não é o lado fraco, Aba! É o lado que por agora tem o menor poder financeiro. Seu povo, o povo de sua mãe, já que nasceu aqui, como eles eram em suas terras? Aposto que fortes.

— Ih minina, tempu longi, longi. Num cunhici ningém non. Só as história. As história di guerrêros, fortis, distimido, cheiu di fé.

— E continuam sendo, Aba! Vejo isso em Rúbi! Vejo isso em tantos deles que abaixam o olhar quando eu passo, eu vejo Aba! E porque eu vejo que meu peito está nesse rebuliço sem tamanho!

Rose apertava forte sua mão bem acima do peito, como se pudesse segurar lá dentro este sentimento em ebulição dentro de si. Aba olhou sua patroinha, a menina mais bela da região. A menina que poderia ter tudo, ser servida, ser bajulada, poderia ter riquezas. Entretanto, desde pequena, cresceu junto aos mulatos quando sua mãe negligenciava sua própria criação. Aba se sentia meio mãe e meio avó de Rose, e foi com este sentimento que ela segurou a mão da menina e encarou-a com o olhar cheio de lágrimas a derramar:

— U camin qui minina iscolhe é di dô. Dô minina, vai sufrê. Cumo qui minina pódi ir cuntra tudin, cumu? E noviu di minina, achar u quê dissu?

Um suspiro longo saiu da boca feminina antes que o forte abraço em Aba fosse dado.

— Aba, não tem como voltar atrás. Eu os vejo, Vejo sua dor, vejo sim. Mas vejo a força, eu vejo a beleza, eu vejo, Aba! Não me peça para cegar-me a propósito!

E nesse momento Aba a afastou um tanto, só para encarar os olhos azuis cor de céu limpo. E ela entendeu que embora se preocupasse com Rose, não era ela a errada, era todo o resto.

— Ah minina, si foci ôcê a nus incontrá primêro! Se elis fossi tantim cumu minina é, si foci. Num queru cégá zóiu bunitu nan. É bunitu puqui inxerga u bem, inxerga dentu, é bunitu.

E uma lágrima escorreu na face calejada do tempo e da lida no Sol e na cozinha, uma lágrima que foi captura por um dedo alvo.

— Talvez você tenha esquecido, Aba. Esquecido o que é viver aqui dentro, mas eles ainda lembram. Não digo isso para lhe ofender, sabe que não faria isso. Mas com o tempo, acredito que tenha esquecido.

Aba congelou no lugar. Lembrou-se de sua mãe, tão preta quanto Rúbi. Seu olhar de fúria a cada mau trato, lembrou-se de como a mãe lutava sem lutar, lutava por dentro, para não morrer por dentro. E depois dos abusos, dos castigos, pegou uma doença grave que a debilitou, mas o olhar era o mesmo. E quando estava a beira da morte, disse que voltaria para casa como a guerreira que é. No momento a Aba menina não entendeu, mas agora sabia que a guerreira iria para casa como guerreira porque do lado de dentro jamais desistiu.

— Né qui isquici memu? Mas minina limbrô, né non? Aba vai voltá a lutá ondi impota, minina.

Aba beijou a testa de Rose, abençoando sua caminhada. Sabia que seria difícil, mas a partir daquele dia teria mais uma cúmplice naquela batalha.

Sorriso de SolOnde histórias criam vida. Descubra agora