- O quão longe eu ainda tenho que ir antes do seu golpe final? - sobressaltei sem reação ao ouvir sua voz embargada tão perto de mim.
Poderiam passar anos e mais anos e eu provavelmente reconheceria em qualquer lugar, em qualquer circunstância a voz de Daphne. E isso partia o pouco que ainda existia do meu coração, principalmente com a visão de seus grandes olhos azuis inundados em lágrimas enquanto seus braços cruzados em seu busto pareciam fazer uma força sobre humana para mantê-la ali em pé.
- Daphne, o que... - comecei a falar me aproximando e segurando gentilmente em seu braço numa tentativa talvez equivocada de acalmar ela, já que no segundo seguinte não estávamos mais no meio da rua e sim em um ambiente completamente desconhecido por mim.
- Ele pediu para avisar que não irá voltar - sua voz mesmo embargada forçava um tom que não era dela, nitidamente tentando se assimilar a de Draco ou Blásio, que tinham sido incubidos de contar para ela sobre esse fato - É isso que eu mereço, Theodore? A sua falta de decência é tão grande que não pode nem ao menos dizer isso com todas as letras na minha cara? - ao passo que as palavras saiam seu corpo se aproximava mais do meu enquanto seu indicador direito batia em meu peito - Responda Theodore! Essa é a droga do amor que eu mereço? - exclamou, passando então a me empurrar antes de voltar a se debulhar em lágrimas.
- Não - respondi pendendo com a minha cabeça para trás enquanto tentava inflar meu pulmão com o máximo de à possível - Mas é o único amor que eu consigo oferecer agora - completei firmando meus pés no chão esperando para o impacto de seus braços contra mim.
Mas o que me atingiu foi o aperto em meu peito ao ver seu corpo tremer enquanto sua cabeça abaixava e seu choro dominava tudo à nossa volta. Ignorando o meu eu racional que implorava para que a deixasse ali, envolvi meus braços em volta do seu corpo.
Era como quando ela soube da maldição de sangue que sua família carregava e o quanto ela poderia minar seu desejo de ser mãe. Como quando declarou o fim de nosso recente relacionamento por conta da posição da minha família na guerra, enquanto um eu mais jovem a convencia desesperadamente que jamais deixaria que isso a afetasse, o que de certa forma era o que eu fazia hoje me afastando dela buscando garantir que os meus fantasmas não assombrassem a sua vida.
- Você não pode fazer isso - declarou com a voz abafada enquanto agarra o meu casaco - Não é justo, Theo! Não é justo! - exclamou, afastando seu rosto o suficiente para me encarar.
- Eu prometi que nunca deixaria os meus problemas te afetarem - declarei sem forças. Como eu poderia seguir frio e distante perante a única pessoa com a qual eu não fui assim? Como eu poderia ser algo além de eu mesmo frente as íris verdes embargadas em lágrimas?
- Eu quero que os seus problemas sejam os meus Theodore! - exasperou enquanto puxava meu casaco e consequentemente meu corpo para mais perto do seu - Eu quero partilhar tudo com você! - sua voz já voltava a ser tomada pelo choro - Eu te amo, Théo! Você sabe que eu te amo - completou quase que para si e não para mim.
Era como se tudo o que eu havia construído no último ano fosse partido em pequenos pedaços. Pedaços esses que eu duvidava ser capaz de juntar novamente e os transformar novamente na distância que eu havia criado, na solidez em meu ser que eu havia conquistado.
Partir sem me despedir de Daphne havia sido programado. Eu precisava que ela não me encontrasse e que não imaginasse que eu estava partindo. Ela sempre foi e sempre será a única coisa no mundo capaz de mudar meus planos e me fazer duvidar das minhas escolhas.
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Suspirei pesadamente enquanto puxava seu corpo para o meu abraço.
- Eu sinto muito - declarei com meus lábios colados no topo de seus cabelos.
- Não sinta - pediu enquanto voltava sua respiração ao normal - Só volte - pediu envolvendo enfim minha cintura com os seus braços.
- Eu não posso - respondi evitando pensar sobre as possibilidades.
Eu poderia voltar, eu sempre poderia. As pessoas seriam capazes de engolir qualquer desculpa que meu pai inventasse sobre o meu afastamento. Daphne declarava que me aceitaria, e nosso casamento só seria ofuscado pelo de Draco. Uma cadeira no ministério não demoraria a surgir, assim como as crianças que mesmo com os riscos Daphne insistiria em ter, alegando como sempre que elas teriam os meus olhos e fariam com que ela jamais perdesse de me olhar, mesmo quando estivesse brava.
Mas junto com isso, a minha mente voltaria a ser minha pior inimiga. Como ainda era. Os gritos não iam embora, assim como a marca de tudo o que o meu pai fez e que eu compactuei iriam seguir me assombrando pelas ruas, quando eu cruzasse com um filho ou neto torturado pelo meu sobrenome e companheiros de guerra.
Antes que eu pudesse formular um motivo suficientemente bom, que provavelmente não existiria para Daphne, seus lábios tomaram os meus, de forma delicada como ela sempre fazia.
Delicadeza essa que durou tempo suficiente apenas para abrir o caminho do desejo que nós dois tínhamos um pelo outro. Minhas mãos rapidamente passaram a desbravar o contorno de sua cintura e quadril, enquanto as suas adentravam o meu casaco deixando suas unhas trilharem o caminho de desejo que eu nunca deixaria de sentir falta.
- É sério, Theo - sua boca se afastou da minha mas suas mãos em meu pescoço garantiam que nossos rostos continuassem próximos - Volta pra mim - pediu colando nossas testas e deixando por fim um longo suspiro escapar pelos seus lábios.
- Daphne - foi a minha vez de suspirar buscando organizar os pensamentos confusos em minha cabeça - Eu vou ir o quão longe for preciso para que você viva a sua vida em paz sem mim - busquei toda a certeza que ainda havia em meu ser, fechando meus olhos para que as íris verdes dela não pudessem nublar minha decisão.
- Então esse é o seu golpe final? - sua voz carregava um tom amargo que fazia com que eu desejasse apenas ser deixado naquele local estranho no meio do nada a ter que a encarar de novo - Esse foi o quão longe eu precisei vir, então? - sua pergunta era nitidamente retórica e eu apenas afastei nossos rostos podendo ver enquanto ela umedeceu os lábios e recompunha sua pose puro sangue típica. A pose de que nada a afetava, que deixava suas feições frias enquanto repousava as mãos no longo sobretudo bege claro, que quase se misturava com o loiro de seu cabelo.
Com o seu corpo a poucos passos de distância do meu, eu enfim consegui aproveitar com clareza a beleza dela. Mesmo que seu casaco agora fechado cobrisse mais do que eu gostava de seu corpo, e seus olhos levemente inchados me angustiaram, ela ainda era a mesma de quando eu a conheci e me deixei apaixonar além do correto. Seu corpo esguio, os cabelos loiros volumosos que cobriam suas costas, os olhos verdes firmes assim como o fino nariz levemente empinado. Tudo nela transparecia o quão puro era o seu sangue, enquanto eu nesse momento era o seu completo oposto com a barba por fazer, o cabelo sem corte e as simples roupas trouxas.
Sem trocar uma palavra, Daphne nos levou de volta a Rotterdam trouxa aonde ela havia me encontrado, e antes que eu pudesse dizer qualquer palavra que fosse ela já não estava mais lá. E naquele momento eu soube que seria para sempre.
Naquela tarde eu soube que de todos os meus fantasmas que hoje repousavam longe dos meus sonhos, ganharam um novo protagonista para as minhas noites. E ele seria a partida de Daphne, sem sorrisos e beijos. Justamente da forma como eu tanto temia que fosse quando tomei minha decisão, e também, da forma como eu merecia.
Provavelmente em um par de anos ela esqueceria de mim, lembrando apenas em um baile quando falassem sobre a época de Hogwarts, se é que dada a situação do nosso último ano no castelo isso aconteceria.
Por fim, um par de meses antes do casamento de Astória e Draco eu recebi não o convite, mas um exemplar do profeta diário que estampava Daphne e Blásio em uma jovial e alegre comemoração de noivado. E por mais que doesse, eu aceitei que ela enviasse ele assim como fez com o exemplar onde falavam sobre sua primeira e segunda gravidez. Eu merecia assistir de longe a felicidade da mulher que eu sempre amaria.
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Desventuras do Sangue | Drastoria
RomanceFazer parte de uma as vinte e oito sagradas famílias pode ser um fardo, fardo esse que Astória Greengrass apelidará de desventura do sangue. Algo do qual você não pode fugir, mas que talvez possa endossar. Em um mundo pós guerra, dois filhos do sag...