Inquietos anos de ouro

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- Isso não está sendo tão discreto...- ela recriminou com os lábios colados aos meus.

Soltei minha mão direita de sua cintura e busquei seu lenço amarrado na alça da bolsa. Ela acompanhou com os olhos, me dando um pouco de espaço, enquanto eu desamarrei o mesmo e riu quando eu o passei pelo seu cabelo.

- Melhorou? - perguntei organizando um pouco dos fios soltos que chegavam ao seu rosto.

Ela riu e eu só pude acompanhá-la, principalmente quando seus lábios decidiram novamente se unir aos meus.

O calor do seu corpo aquecia o meu, minhas mãos travavam uma guerra contra a minha vontade de não manter os toques contidos como os dela, meu corpo reagia a todos os sons que vinham dela e era como se a qualquer momento meu próprio coração pudesse sair do peito. Fosse pela excitação causada por ela, ou pela ansiedade que se formava no medo de sermos flagrados entre becos em plena volta às aulas.

- Eu realmente preciso comprar mais alguns itens - seu pedido veio acompanhado de seu doce olhar, o mesmo que me mantinha preso por entre esses becos mais tempo do que eu realmente precisava.

- Vamos - respondi-lhe oferecendo a minha mão esquerda enquanto a direita novamente tentava arrumar os fios soltos do seu cabelo fazendo ela rir.

Narcisa era a joia mais brilhante de todo o mundo bruxo. A mais nova das Black, a única criança loura da família, dona de amendoados olhos castanhos e um pequeno nariz que fora de nossos momentos exibia-se sempre empinado declarando a todos que ela sempre soube quem era e quem se tornaria.

Eu não havia convivido com minha mãe por tempo suficiente para me acostumar com o que seria passar horas em lojas, felizmente Narcisa sempre demonstrou a educação excelente a qual tinha sido condicionada, transformando essas experiências em rápidas passagens onde a mesma deixava tudo antecipadamente selecionado para que apenas conferisse se era de fato o que queria.

Ela ainda era uma quintanista enquanto eu caminhava para o meu sétimo ano, e isso por vez causava uma nostalgia que eu não imaginava sentir ao ver ela conferindo materiais que já haviam feito parte da minha lista há dois anos.

O meu futuro sempre foi claro, como único herdeiro Malfoy eu assumiria a cadeira de meu pai no ministério em um dado momento e tanto durante quanto após isso, seguiria cuidando dos negócios da família, que iam desde legais propriedades no mundo bruxo até atividades pouco lícitas no mundo trouxa.

Uma esposa como Narcisa também era algo claro em meu futuro, mesmo que o nome dela só tenha surgido nos jantares Malfoy há pouco mais de seis meses.

Eu aguardava que meu pai me impedisse de tomar essa decisão, e eu esperava que isso acontecesse. Não que fosse algo ruim, casamentos são bons negócios, por mais que Abraxas tenha se casado por amor com minha falecida mãe, eu não me preocupava com o mesmo. Não até Narcisa adentrar o salão de festas do ministério no último natal.

Eu a conhecia desde sempre, apesar de Andromeda e Bellatrix sempre terem sido mais próximas do meu círculo de amigos, Narcisa sempre esteve por perto, com seu pequeno nariz empinado e suas palavras ditas calmamente e em um tom baixo, que seria facilmente identificado como um reflexo de sua educação sangue purista, isto é claro, se desconsiderasse que a mesma o fazia com tamanho prazer visto que garantia que todos a sua volta se silenciasse enquanto ela falava já que a voz inalterável exigia, silenciosamente, extrema atenção.

Mas apenas no último Natal, quando seu vestido vermelho realçou o tom alvo de sua pele e o seu volumoso cabelo loiro emoldura perfeitamente seu rosto eu dei por mim que se Narcisa era a mais notável joia do mundo bruxo, eu precisava que ela fosse minha. E ela não pareceu se opor a isso quando comecei com os convites para chás e jantares em minha mansão.

Narcisa não era puritana e eu não era tão alienado ao que acontecia entre os sonserinos a ponto de não saber de seu relacionamento no ano anterior com um estudante qualquer de seu ano. Porém isso, ou talvez por isso, diferente de boa parte de nossa casa, ela não cairá aos meus pés desde o primeiro momento.

A verdade é que fora notável a forma como ela se distanciava emocionalmente de minhas investidas até a última semana. Sempre muito polida, com sorrisos a favor das minhas falas e gentis palavras, as jóias e adornos que eu a presenteava. Mas nunca além do cordial, quase que mecânica, parecia haver uma luta interna para não estar ali.

Totalmente diferente de agora. Totalmente oposta a jovem que nesse momento enlaçou os dedos nos meus enquanto tomava à frente para sairmos da que ela dizia ser a última loja.

Minha mente parecia sempre preparada para nublar-se com os pensamentos insanos de conversas que nunca teríamos sobre o que eu sentia. Mas era inevitável a forma como estar ao lado dela enchia o meu eu com algo além do meu nascido ego e orgulho. Momentos como esse me levavam a sentir como se nada pudesse ser mais completo do que a sua mão enlaçada a minha, ao mesmo tempo que deixava claro em mim a certeza de que essa união seria mais do que eu esperava dada as obrigações envoltas no meu sobrenome.

Nem mesmo encarar a volta a Hogwarts com uma noiva era um ponto de receio. Era estimulante imaginar como seria observar a atenção de todos sob nós e a inveja que viria a ser emanada de todos ao entenderem que a jóia mais bela de todo o mundo bruxo estava destinada a ser uma Malfoy.

De repente o aperto em minha mão junto a parada brusca de Narcisa me tirou de meus devaneios junto ao seu olhar vazio e sua voz declarando um mau presságio e que precisava voltar para casa.

Casa essa para a qual a acompanhei e que se encontrava no interior repleta de gritos e choros, e que seguindo os passos rápidos de Narcisa me deparei com a visão da mais velha dos Black, Andromeda, encostada amedrontada na tapeçaria da família enquanto sua mãe levantava sua varinha e proferia um feitiço que eu jamais havia ouvido mas que entendia bem o que significava ao vez o nome da primogênita sumir da linha familiar que pertencia.

A cena atingiu a mim ao mesmo tempo em que estagnou Narcisa em seu passo, recuando e endireitando a postura, ao alcançar seu lado pude entender o que a parou. Sua irmã não apenas sairá da tapeçaria como também envolvia seu ventre de forma protetora declarando o que sem dúvidas era o motivo de tanto alvoroço.

Antes que a varinha do Cygnus apontasse precisamente para a agora renegada filha, a mesma já não estava mais lá e o choro de Druella cortou o silêncio enquanto a mesma desabava em frente a Cygnus. O patriarca pareceu só então se dar conta de que não estavam sozinhos, guiando sua esposa enquanto seus olhos se fixavam nos meus.

Eu deveria ter ido embora e desejei poder. Eu poderia e eu o faria se não houvesse Narcisa a minha frente, estática onde parou há minutos. Seus olhos estavam vagos e pude perceber a pressão em seus punhos fechados.

Um escândalo. O fim ao que vivíamos, um fim quase decretado ao que tínhamos. Abraxas jamais aceitaria nosso nome atrelado a tamanho escândalo e eu sabia que tudo que poderia fazer agora era ir embora. Mas não fui. E todo o meu corpo clamou para que eu ficasse, como fiquei.

Meus braços encontraram seu lugar envoltos no pequeno corpo da loura enquanto a mesma se mantinha estática. Não haviam palavras que eu pudesse ou desejasse dizer, mas existia em mim a vontade de ficar e o desejo de que ela compreendesse que esse ato era além do que eu acreditava e do que faria de forma sã. Talvez essa fosse a única atitude emocional que eu pudesse expor, principalmente em meio a algo tão devastador e que tanto iria assombrar o que anos mais tarde eu entenderia como os nossos inquietos anos de ouro.

Aquela agradável tarde fora a última vez que pudemos ser quem éramos sem o peso do que precisamos ser, não apenas pela briga que precisei travar com Abraxas mas sem dúvidas pela escuridão necessária que nos cercou daquele dia em diante com o surgimento do lorde das trevas e minha devoção ao mesmo, que até hoje me questiono o quanto a mesma não afetou a mulher que naquele dia estava imóvel em meus braços assimilando sua perda e que precisou lidar com a chance de a cada dia ser assombrada pela notícia do fim da vida da que um dia foi sua mais querida irmã. 

Desventuras do Sangue | DrastoriaOnde histórias criam vida. Descubra agora