Eu lembro de ensaiar mentalmente tudo o que diria aos meus pais quando a data de voltar para a casa para o recesso se aproximava. Eu elaborava uma lista das minhas conquistas para ambos, uma lista das reclamações que meu pai com certeza resolveria e uma lista com menos filtros para a minha mãe.
Com o passar dos anos essa lista foi se tornando maior e com menores divisões, chegando ao ponto de se tornarem apenas uma conversa internalizada que eu nutria comigo mesmo. O que só mudou quando em abril de 2001 eu passei a construir listas diárias de acontecimentos que preenchiam os meus dias na nova América e que eu me perdia em folhas que enviaria a Astoria.
Mas em momento nenhum eu me preparei para o rompimento dessas listas com uma simples carta de duas linhas:
Volte para casa.
Estou grávida.Sem rodeios, sem palavras complementares - até porque o que poderia de fato complementar esse anúncio? Em menos de uma hora eu estava na mansão que eu quase já não reconhecia como lar, encontrando sentada em uma poltrona em frente ao piano, com pastas de couro no colo, uma Astoria que pela aparência declarava o tom de urgência daquela carta.
Sua pele estava tão clara que o contorno em volta dos seus olhos assumiam uma tonalidade mais escura do que eu jamais tinha visto, mesmo sendo ela uma adoradora de noites em claros e cafés junto ao nascer do sol.
Lembro de não ter até aquele momento pensado sobre o que eu sentia ao ler as duas linhas daquela carta mas ao vê-la no estado em que estava eu senti a primeira pontada de medo. E quando seu rosto encontrou com o meu e seus olhos pareceram suplicar ajuda um turbilhão de medos me assombraram no rápido momento que se passou até meus braços estarem envoltos em seu corpo enquanto eu mesmo tentava encontrar abrigo nesse ato.
Nunca falávamos sobre o que esperávamos em relação a possíveis herdeiros. Sempre que tal pergunta surgia por parte de Lucius, Astoria se limitava a dizer que era algo que apenas desrespeitava a nós dois. Eu sabia que ela não temia mais a maldição após Dafne dar s luz em plena saúde, ambas acreditavam que toda a história havia findado em sua mãe que seguia enfraquecendo rapidamente já sendo por si só um milagre entre a linhagem, vivendo há vinte anos com a maldição por meio de poções.
Mas algo em mim gritava, como os gritos que preencheram um dia aquela mansão, que assim como Astoria apoiou firmemente minha mudança de continente que ela sabia que a mancha sobre o nome que agora carregava não havia sumido e que a mesma se tornaria um fardo pesado demais a uma inocente criança que nada teve além do azar de iniciar a vida como meu filho.
Assim como meu destino foi selado antes mesmo do meu nascimento, o desse pequeno ser em seu ventre também vinha a ser. E com esse pensamento um frio percorreu minha espinha me fazendo sentir como se a maldita marca se mexesse em meu braço alertando que sabia o que viria e em quem habitaria. Mesmo o meu eu consciente sabendo que esse erro não voltaria a se repetir.
Como nas últimas noites desde a minha volta eu despertei de súbito só então percebendo que estava lidando com as lembranças daquele início de maio de 2002. Colocar o tempo em datas mudava a minha silenciosa perspectiva sobre os fatos, já faziam cinco anos desde que tudo acabou. Cinco anos da última vez que a marca em meu braço me carregou por tarefas que me assombrariam para sempre mas que hoje com certo esforço eu conseguia esconder no fundo do meu subconsciente.
O problema dessas últimas noites era o lugar vazio ao meu lado, e o vislumbre do longo roupão de Astoria em seu corpo do outro lado da vidraça da sacada que dava para o jardim que Narcisa ainda insistia em cuidar em suas visitas a mansão. A relação fria entre Astoria e Narcisa sempre me fez acreditar que ela não gostava do que via ao abrir as janelas, mas mesmo em minha ausência ela nunca cogitou trocar de quarto. Sempre dava de ombros e dizia que em minha ausência ela não deixava de ser a senhora Malfoy e que já havia driblado demais as sortes de ser parte do sagrado vinte e oito para arriscar uma mudança tão boba como essa.
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Desventuras do Sangue | Drastoria
RomanceFazer parte de uma as vinte e oito sagradas famílias pode ser um fardo, fardo esse que Astória Greengrass apelidará de desventura do sangue. Algo do qual você não pode fugir, mas que talvez possa endossar. Em um mundo pós guerra, dois filhos do sag...