Dois

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Desci com Ísis no colo no início da manhã e já vi o movimento na sala. Havia duas malas, travesseiro e uma mochila no sofá. Luísa — a secretária do lar — tinha acabado de chegar e passava a camisa de Pedro que estava falando no celular com alguém. Às vezes eu desconfiava que ele tinha uma pessoa de quem ele realmente amava, mas não podia ficar junto com ela, pois eu escutava algumas conversas de vez em quando um pouco suspeitas. Talvez quando o contrato acabasse ele finalmente conseguiria ficar junto dela, se for o caso.

— Bom dia! — exclamei animada ao ver Luísa. — Como foi sua noite?

Ela era uma das pessoas que não sabia que aquilo ali era falso. No começo ela até achou estranho ele se casar tão ligeiramente, mas acabou acreditando. Na verdade, as únicas pessoas que sabiam que aquilo ali era mentira eram os pais dele.

— Bom dia, querida. Foi um calor danado, 'cê sentiu? — indagou fazendo um gesto com a mão de como foi ruim passando a mão na testa fingindo tirar o suor.

— Não, aqui é bem fresco, né. — comentei e fui até a cozinha, deixando Ísis no cercado que tinha perto do balcão onde fazíamos algumas refeições.

Não havia contratado uma babá, mas a Luísa vivia cuidando da minha filha como se fosse uma neta dela e eu gostava bastante disso.

Pedro também chegou no cômodo, já tinha desligado a ligação e estava com a mochila nas costas.

— Estou saindo. — avisou e pegou a camisa, então a vestiu e pegou uma maçã da fruteira. — Não coloca fogo na minha casa, Laura.

Mostrei a língua para ele como uma criança birrenta.

— Quando você voltar vai estar em chamas. — ironizei e ele me olhou com os olhos semicerrados.

Quando ele finalmente saiu, a mulher que estava comigo também me olhou.

— Vocês são iguais duas crianças. Vivem de birra dentro da casa. — ela riu. — Eu era assim com o meu marido no começo do nosso relacionamento, vivíamos brincando, rindo e achando que tudo seriam flores. Com o tempo vi que nem só o amor sustenta.

Com certeza não sustentava somente o amor e isso se concretizou na minha vida quando contei para Marlon que estava grávida e ele ficou feliz, ou pelo menos fingiu para não me deixar triste e, na outra semana, disse que iria fazer um serviço fora da cidade. Desde então nunca mais o vi.

Eu realmente queria entender a mente dos homens que fazem isso. Como podem dormir à noite sabendo que têm uma filha que deveria ser uma das coisas mais importantes de sua vida, mas que ele não fez questão de conhecer?

— Está tudo bem entre vocês, querida? — indagou Luísa colocando a mão no meu ombro ao ver meus olhos se encherem de lágrimas.

— Pode cuidar da Ísis um minuto? — perguntei e ela assentiu.

Corri escada acima para o banheiro do meu quarto, deixando todas as lágrimas caírem dos meus olhos. Alguns dias eu me sentia sensível e se alguém dizia coisas sentimentais eu desmoronava. Minha vida inteira contribuiu para que eu fosse assim desde a adolescência.

Aos vinte e dois anos, não tenho amigos, família por perto e nem mesmo um pai presente para minha filha. Mesmo sabendo que era forte e que podia fazer tudo o que quisesse sozinha, sabia que Ísis sentiria falta.

Chorei mais algum tempo sozinha até sentir uma mão encostar em meu braço direito e vi a mulher ao meu lado novamente com um olhar solidário.

— Vá ao shopping fazer algumas compras, almoce fora, tire o dia para você. Eu vou cuidar da Ísis.

Ela era a pessoa mais carinhosa que conheci no Rio de Janeiro, a maneira como ela me entendia e falava comigo às vezes me fazia sentir menos solitária, mas ainda não era o suficiente para curar minhas feridas.

— Tem certeza? — indaguei enxugando minhas lágrimas e ela assentiu. — Obrigada. Vou me arrumar.

Tomei um banho quente e me arrumei com uma calça jeans escura, uma blusa de flores e um salto não muito alto. Por sorte eu sabia dirigir e Pedro deixava eu usar o segundo carro dele algumas vezes, fazia parte do contrato.

Dei um beijo na minha filha antes de sair e agradeci mais uma vez a Luísa por me ajudar nos momentos difíceis.

As pessoas tinham a ideia muito errada de que uma mãe não pode sair sozinha e deixar o filho em casa, mas era extremamente necessário que a mulher reservasse um tempo para ela. Quem diz que a maternidade é a coisa mais linda do mundo, certamente nunca engravidou. É cansativo e enervante. Não ter certeza do futuro que a criança terá ou perder noites de sono para adormecer a criança é muito difícil. Toda mulher merece um tempo para si mesma.

O Village Mall não ficava longe de casa e desde que me casei com o Pedro comecei a frequentar muito o local para fazer compras. Era um bom lugar, mas eu não gostava de usar todas as roupas de grife que as lojas ofereciam.

Por fim, decidi que iria a um salão de beleza e ficaria maravilhosa.

[...]

— Brilha, brilha, estrelinha. Quero ver você brilhar. — eu cantava para Ísis enquanto a deitava no sofá.

Ela já estava bem espertinha e queria brincar com tudo, o que estava sendo um problema para mim. Deixá-la sozinha por alguns minutos resultava em muita bagunça.

Sentei-me no sofá e liguei a televisão no jogo do Flamengo. Eu não costumava ver muito jogo, mas estava sem fazer nada e resolvi assistir.

Uma coisa que todos falavam ultimamente era do quão mal Pedro estava jogando e como eu não entendia nada de futebol ficava quieta, mas assistindo aquele jogo percebi que talvez ele não estivesse no seu melhor momento mesmo. Sua cabeça parecia estar no mundo da lua, toda vez que a bola chegava aos seus pés ele a perdia em questão de segundos.

Na semana retrasada ele havia saído de campo totalmente irritado quando foi substituído, na semana passada ele não jogou muito bem por causa da chuva e agora não teve chuva nem substituição, mas ainda parecia estar muito perdido.

Ísis bateu as pernas no meu braço chamando minha atenção e eu a peguei no colo, sentando-a de frente para ver a televisão.

— Está feliz agora? — perguntei brincando com minha filha.

E então o Fluminense fez um gol quando o jogo já estava para acabar e mais alguns minutos depois Pedro se envolveu numa ligeira discussão no qual o jogador do time rival mandou ele tomar bem naquele lugar. Leitura labial era comigo mesmo. Ele definitivamente não estava legal.

Às vezes eu gostaria de ter um relacionamento amigável com ele, para podermos conversar sobre diversos assuntos e o clima em casa não ficar totalmente estranho, mas ele raramente me dava espaço para isso. 

Contrato de Casamento | Pedro GuilhermeOnde histórias criam vida. Descubra agora