Chego à rua ainda com o cabelo molhado e faço um coque para que as costas não fiquem também.
Ponho o saco ao ombro e avisto a minha mãe sentada no carro preto novo que comprou recentemente.
-"Olá mãe"- digo assim que entro. Não ponho o saco na mala porque a viagem é curta.
-"Estive a falar novamente com o teu treinador e estás a ser descuidada! Tens de ter mais atenção aos braços,"- lá vem o raspanete...
-"Mas mãe"- interrompo. Sei quem vai ganhar a batalha e não vou ser eu.
-"Mas mãe porra nenhuma Marta"- exalta-se. Põe o carro a trabalhar e segue caminho. Cai-me uma lágrima pelo olho, porque estou cansada que ela seja sempre assim -"Vamos às compras. E como eu estava a dizer. Tens de ter mais atenção aos braços, hoje o treino foi com a prancha e é para isso que ela serve, auxiliar! Se forem preciso mais treinos por semana, assim os farás e vou decidir isso se não progredires até ao final do mês. Nem quero ouvir reclamações vindas de ti. Acabaram as desculpas para a falta de tempo para os treinos. Estou certa de que o teu treinador concordará também. Estamos entendidas?"-
Não respondo, diga o que disser o que prevalece é a palavra dela, por isso nem vale a pena.
E estou cheia de dores, só quero ir para casa.
-"Estamos entendidas sim ou não?"- pergunta rispidamente.-"Sim mãe. Ao menos sabe conduzir esta coisa em condições? É que já deu solavancos. Ao menos concentre-se.-
Acelera o carro e segue viagem para o supermercado. Só mesmo para não me dar razão, hilariante.
-"Hoje a Leonor voltou à escola"- digo, e assim que acabo a minha mãe olha para mim e o carro desvia-se da linha da estrada e não Não NÃO NÃO NÃO, alguém embate contra nós. Sinto o carro a fazer uma trajetória inesperada, nós uma paragem brusca o que faz com que eu não entenda mais nada, só percebo as lágrimas a cairem-me do rosto e o pior dos cenários a passar-me pela cabeça.
-"Mãe!!!"- olho para ela e grito.....e não vejo mais nada, só ouço barulho bastante incomodativo. Parece um pesadelo, mas não é, quero acordar dele porém não dá....
....."Mãe?" Quero dizer mas não consigo, não tenho forças suficientes para dizer esta palavra alto. Caralho, que dores são estas? Abro os olhos e não sei onde estou. Olho à volta, um cadeirão, cortinas um cheiro a hospital. "Como vim aqui parar?" Esforço-me para dizer em voz alta.
Ninguém está aqui comigo. Ninguém me ouve. Quero chorar muito, estou só...
Tento me mover da cama, não vejo gesso, mas sim uma ligadura no pulso, o que me alivia razoavelmente. Só sinto dor, muita dor. Percorro, apesar da dificuldade de manter os olhos abertos, o meu corpo e reparo em nódoas negras e ferimentos ligeiros. Já que estou na merda do hospital ao menos que me dessem algo para as dores.Sinto-me cansada, quero ir para casa... dói-me a cabeça, choro e sinto o efeito do choro, lágrimas quentes e salgadas a contornarem-me o rosto magoado. Os meus olhos estão pesados, fecho-os por um momento e volto a dormir.
....
Tenho mesmo que aprender a fechar a preciana do quarto porra. Quero dormir, mas tenho de ir fechar a preciana para isso acontecer. Abro os olhos para me levantar, porém sou parada quando estremeço com as dores que tenho. E sinto algo, mais propriamente alguém agarrado à minha mão.
Contorno o pequeno quarto e vejo o Hugo sentado na poltrona com a sua mão na minha e a cabeça encostada à beira da cama em que estou. Lembranças do acidente vem-me à cabeça... carro a desviar, o outro a bater do meu lado, a mãe sem reação e a aflição do momento.-"Ai"- digo ao me tentar compor. Merda. Preciso de alguém que me dê algo para as dores... -"Mano"- a minha voz falha e é baixa, mas é o suficiente para ele despertar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Do outro lado da pista
RomansaAo que parece ser a história típica de adolescentes se apaixonarem, esta história mostra muito além disso. O foco é a Marta, a vida e o sonho da Marta. As pessoas que a rodeiam, uma mãe controladora, a melhor amiga da infância, um irmão sempre lá...