Epílogo

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Bernardo:

Estamos sentados no saguão do aeroporto em Milão esperando um táxi que nos levasse até a casa de Nat, pegamos o primeiro avião que conseguimos para vir ao funeral de Yago. Jonas estava completamente arrasado, os olhos fundos ilustravam o sofrimento pela perda do amigo, Camilla ficou o tempo todo ao lado dele e não poderia ser diferente, eles sempre estariam ali um pelo outro, mesmo que eu também me sentisse quebrado, eu não poderia pedir que ela se dividisse entre nós dois.

Jonas era amigo de Yago há anos e eu... a nossa amizade começou há pouco tempo, só depois da nossa conversa no hospital. Eu nem sei se tenho o direito de sentir tanto a morte de um cara que eu cheguei a odiar. Só que mesmo nesse pouco tempo a nossa conexão era inegável, nós tínhamos tanto em comum, éramos tão parecidos em diversos aspectos que eu sentia como se tivesse perdido alguém da minha família e eu não tinha para quem dizer isso, não queria dizer ao Jonas ou à Cami, eles já tinham a própria dor deles que era muito maior, não precisavam carregar a minha. Eu viajei até a Itália para ser forte por eles.

Entramos no táxi e percorremos as ruas de Milão sem conseguir admirar nada, era minha primeira vez na Itália, mas eu não me importava, não conseguia pensar em nada que não fosse a perda. Segurei a mão da Cami enquanto ela deitava a cabeça em meu ombro e Jonas encarava a janela, fizemos todo o caminho em silêncio até chegar no apartamento onde Yago e Natália moravam. Assim que entramos, Jonas abraçou Vera que se derramou em lágrimas, Cami e eu fomos cumprimentar Paolo, padrasto de Yago.

– Bernardo, não é? – Paolo disse me estendendo a mão depois de cumprimentar Cami. – A Natália está no escritório e pediu para você ir lá assim que chegasse.

– Eu? – Estranhei.

Paolo confirmou e me indicou uma porta que dava para uma sala pequena onde tinha uma escrivaninha, Nat estava sentada atrás da mesinha segurando um porta-retratos com a foto que tiramos na formatura da Cami. Quando entrei ela deu sinal para que fechasse a porta atrás de mim e que me sentasse, eu assim fiz.

– Nat, sinto muito por sua perda – falei enquanto me sentava.

– Eles pegaram o Yago na saída do supermercado – ela contou, pela dor em sua voz eu percebi que ela precisava falar. – Ele havia acabado de me ligar avisando que logo chegaria em casa, nós estávamos tão felizes...

Apenas abaixei minha cabeça permitindo que uma lágrima corresse, ela continuou:

– Ele foi encontrado em um beco qualquer, eu nem sei onde. Aqueles desgraçados acabaram com tudo o que estávamos construindo – disse com um soluço.

– Mas porque agora depois de meses? Como eles rastrearam vocês?

– Ele estava investigando algo, ninguém sabia, acho que para nossa segurança. Quando o Yago foi para as formaturas ele aproveitou para buscar esses documentos no escritório do Tadeu, – ela me estendeu a pasta que estava sobre a mesa – ele queria descobrir quem era o teu irmão.

Aquela informação caiu como uma bomba no meu estomago, abri a pasta olhando os documentos, mas a maioria estava rasurada onde constavam nomes ou outras formas de identificação, tudo o que havia eram datas. No fim do arquivo havia um papel recente, era um exame de DNA, no topo do papel lia-se o nome do solicitante: Yago Fernandes, logo abaixo a porcentagem de compatibilidade 93%.

– Não pode ser... – soltei os papéis indo em direção à janela – A porcentagem é muito alta, Nat! Com certeza é ele, mas como isso é possível?

– Eu não sei. Eu também não sei, Be.

– Alguém mais sabe?

Natália apenas negou com a cabeça. Apoiado no parapeito da janela deixei que as lágrimas corressem, os pensamentos me atropelavam e começavam a fazer sentido. Todas as perguntas que ele fez naquela semana que esteve no Brasil, como era o Pedro, a idade que ele teria hoje, a visita que fez ao meu apartamento na qual facilmente poderia ter pego um fio de cabelo ou qualquer outra amostra de material genético. Eu já não conseguia respirar, minha cabeça doía e deixei que meu corpo fosse ao chão, sentei encostado na parede e apenas chorei, mal percebi quando a Cami entrou no escritório e me abraçou.

– Ele não me disse nada – consegui falar entre soluços num misto de dor e alegria.

Depois que finalmente me acalmei, Cami me ajudou a analisar os documentos e, da mesma forma que Yago fez, fomos acompanhando a movimentação feita com meu irmão até que ele chegasse na família que o comprou na França. Se ele conseguiu fazer o exame de compatibilidade então também tinha contato com Pedro, mas não havia qualquer informação de telefone ou outra coisa. Minha maior dúvida era se meu irmão sabia que era meu irmão, se deu tempo de Yago contar.

Abandonei a análise dos papeis para irmos ao funeral, o corpo havia sido liberado depois de todas as perícias e preparações. As homenagens e despedidas foram emocionantes, Vera chorou o tempo todo, Jonas fez um discurso contando como ele era um ótimo amigo e Nat falou sobre como ele se tornou uma nova pessoa, a relação que estavam construindo e os planos interrompidos.

Depois da cerimônia, a maior parte dos presentes foi deixando a capela de forma que somente a família ficasse para um momento mais íntimo, Jonas também ficou, afinal ele era o amigo mais próximo de Yago, Cami e eu aguardamos do lado de fora. Ouvi chamarem meu nome com um forte sotaque que não identifiquei de imediato.

– Você é Bernard, não é? – Ele falava um português com dificuldade aparente.

– Sim, eu sou Bernardo – me virei para olhá-lo.

Era um rapaz um pouco mais baixo que eu, aparentemente da minha idade, os cabelos escuros como os meus, mas os olhos eram claros num tom levemente esverdeados... iguais aos da minha mãe. Meu coração acelerou quando ele se aproximou, o nervosismo dele era visível ao se apresentar com as mãos trêmulas e pronúncia francesa carregada.

– Eu me chamo Hector, sou um... colega do Yago – ele fez uma pausa e continuou com voz embargada. – Nós ainda não fomos apresentados, mas pelo que ele me disse você deve me conhecer pelo nome de Pedro.


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