Os dias que se passaram.

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Desde já agradeço pela sua atenção e peço, antecipadamente, desculpas por qualquer erro aqui cometido.








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  Assim como os dias e semanas e meses passaram para os aldeões do vilarejo -que agora não se preocupavam mais com a falta de alimento ou devastação nos campos-, também passaram-se para Arius e o lobo. Durante todos aqueles dias e semanas que se passaram, o ruivo ajeitou a árvore e a limpou de cima a baixo em seu interior -fazendo uma cama para si no andar de baixo-, limpou as panelas cheias de pó e um copo que achou junto a elas para usar, pegou, com a autorização do lobo, algumas peças de roupas para quando fosse lavar as suas e estocou frutas em um canto dentro da árvore.
  O lobo apenas observava Arius de longe, pensando que o ruivo era realmente habilidoso e inteligente, pois fazia tudo rápido e sem muito esforço, elegendo as opções que menos gastassem sua energia, e notou, também, que ele era muito bom caçando, pois uma tarde o lobo havia saído para caminhar e viu Arius com uma lança improvisada de madeira com a ponta afiada erguida e mirada na direção de um coelho. E quando o garoto a lançou, o lobo sequer pôde ouvir seus movimentos, e o coelho tampouco e fora abatido.
  A criatura se perguntava o porquê de Arius continuar ali, consigo, ao invés de voltar para sua família, seu vilarejo, mas sequer tentava perguntar o motivo ao ruivo, pois sabia que receberia uma resposta que ainda assim não seria boa o suficiente. O lobo era desconfiado por natureza e não entendia porque alguém como Arius estava consigo. "Eu sou um monstro", o animal pensava sempre que se pegava pensando nisso e bufava em seguida, às vezes atraindo brevemente o olhar do ruivo para si e recebendo um sorriso animado que mexia com coisas dentro de si.
  E, com o passar do tempo daqueles dias e semanas e meses, Arius e o lobo também passaram a conversar mais, pois, quando o garoto não estava brincando com os animais que iam na clareira ou não estava comendo ou dormindo após as refeições, ele sempre buscava pelo lobo e iniciava alguma conversa. Assim, ambos conheceram um pouco mais um do outro, com Arius falando animado de sua irmã e como ela era curiosa e animada e sorrindo nostálgico ao perder o olhar no chão ou em qualquer outro ponto irrelevante, e o animal sentia-se estranho quando via esse olhar e pensava que, cedo ou tarde, o garoto voltaria para sua casa.
  A relação e confiança também aumentou com o passar das semanas e o lobo já não se importava quando o ruivo tirava alguns cochilos em sua cama, pois este dizia que o local era mais fofinho e quente do que a sua própria. O animal até sentia certa graça ao chegar e ver o ruivo dormindo, encolhido como um animalzinho, em sua cama e com a capa vermelha por cima de si como um cobertor.
  Então, certo dia quando Arius estava colhendo frutas de um galho muito alto e o lobo dormia sossegado sobre a sombra de uma das inúmeras árvores da clareira, o garoto apoiou muito de seu peso em uma parte mais frágil e o galho cedeu, fazendo o ruivo despencar com um grito de susto. E o lobo despertou no mesmo instante e correu naquela direção sem pensar duas vezes, chegando em menos de um minuto e vendo Arius caído no chão.
  O animal se desesperou e chamou-o, mas, ao parecer, o garoto havia batido a cabeça e desmaiado, então o lobo pegou-o com a boca e o levou até dentro da árvore, onde deitou-o em sua cama e o cheirou em busca do odor de sangue, mas não o achou e pensou que isso era bom, pois significava que ele não estava machucado -ao menos não por fora. O animal, então, sentou-se à sua frente e o observou por bastante tempo até que acordasse, não saindo dali para nada, pois queria ter certeza de que Arius estava bem. E, assim que acordou -após muito tempo-, o ruivo levou uma mão à cabeça e fez uma careta de dor, lembrando da queda da árvore e, em seguida, encarando o lobo que o observava preocupado. "Você está bem?", o animal perguntou ao abaixar um pouco a cabeça para o encarar melhor nos olhos. "Estou... Estou, sim. Obrigado", Arius disse com um fraco sorriso e sentou-se com calma. "Só um pouco tonto", completou com uma risada fraca e o lobo aproximou-se, esfregando de leve a ponta do focinho em sua bochecha e logo fazendo um carinho ali. "O que... está fazendo...?", Arius indagou nervoso, com o coração acelerado, e o animal afastou-se cauteloso. "Desculpe. Não quis lhe assustar", pediu assim que voltou para a posição na qual estava e o ruivo apertou as mãos na própria roupa. "Não estou assustado. Só fiquei surpreso, porque você não costuma fazer isso. Mas não é ruim, eu gosto", o garoto disse um pouco nervoso e ansioso e o animal sentiu aquela coisa estranha dentro de si outra vez. Era uma sensação familiar, mas estranha, e da qual não recordava de onde provinha. Era, de certa forma, desesperador e agradável. "Po-posso pedir uma coisa?", Arius indagou de repente ao tirar o lobo de seus pensamentos e este apenas lhe encarou, esperando que fizesse o pedido. "Posso... tocar seu pelo?", perguntou apertando ainda mais as mãos na roupa e o animal lhe encarou surpreso.
  Arius, em todo aquele tempo que estava ali, ainda não havia tocado no pelo do lobo, pois este parecia que não gostaria de tal coisa e o ruivo não tinha coragem de pedir, mas acabou o fazendo aquele dia. E a resposta o surpreendeu bastante, ainda que esperasse por ela. "Tudo bem", foi a resposta do animal e Arius ficou com os olhos brilhando ao olhar as orbes do lobo mais uma vez, e novamente a criatura teve a mesma sensação estranha.
  O garoto aproximou-se lentamente do lobo e esticou as mãos em sua direção, tocando o pelo negro com cuidado e afundando as mãos aos poucos, sentindo a maciez e sedosidade nas pontas de seus dedos. "É tão... fofo... É muito mais macio do que eu pensava... Seu pelo é tão agradável de sentir!", Arius exclamou sorridente e o lobo eriçou-se ao ver o sorriso radiante, pesando que era caloroso como o sol. Porém, assim que o garoto aproximou-se mais e preparava-se para abraçá-lo, o animal afastou-se de repente e levantou-se, fazendo Arius quase cair de cara no chão. "Vou beber água. Você deveria se alimentar e dormir, porque a queda foi feia", o lobo disse antes de sair da árvore e deixar o ruivo com uma leve feição de frustração.
  E, assim, com mais nenhuma queda de cima das árvores, ambos chegaram ao solstício de inverno bem preparados e alimentados, com Arius sentindo o frio vir com cada vez mais força e intensidade nos últimos dias que precederam o solstício, tendo que colocar mais roupas por cima de si para poder dormir bem à noite. Contudo, o dia do solstício foi o mais frio daquele ano e o ruivo só saiu do calor de sua cama para coletar um pouco mais de água e algumas frutas, então voltou apressado para dentro e ajeitou tudo ali, para logo voltar a sentar na cama e cobrir-se com um cobertor que havia pego no andar de cima, perguntando-se como ali podia estar tão frio se até poucos dias atrás o calor era forte.
  Naquele mesmo entardecer de solstício, assim que o lobo voltou de mais uma caçada, trazendo consigo dois esquilos mortos, Arius sentiu um aperto no peito e uma súbita imagem de seu vilarejo lhe veio à mente. O garoto apertou a roupa sobre o peito e fechou os olhos, apenas pensando em sua família e amigos e sorrindo nostálgico ao pensar em todos, mas igualmente feliz por saber que eles estavam bem.

  ~Está tudo bem? -O lobo indagou ao ver o ruivo com a mão sobre o peito e este levantou o olhar repleto de sentimentos nostálgicos para si.
  -Sim. Só estava pensando no vilarejo e na minha família. -Comentou com um sorriso belo e puro, mas igualmente triste e amoroso, e isso deixou o lobo com certo peso em si mesmo.
  ~Arius, você deveria ir embora. -Disse de repente e o garoto lhe encarou surpreso, pois haviam várias semanas que ele já não falava coisas como aquilo.
  -O quê? Eu já falei que não vou embora! Pensei que tivesse parado com isso! -Exclamou estranhamente ofendido com a sugestão do lobo e este soltou o ar lentamente.
  ~Você sente saudades de sua família, seus amigos, não? Não entendo porque você continua aqui. Comigo. Deveria voltar para sua família e viver a sua vida, não ficar com um mons-
  -Não seja estúpido! -Arius exclamou o interrompendo e o animal o encarou surpreso, pois nunca havia sido interrompido antes. -Eu quero ficar aqui, com você, porque eu simplesmente quero! Você salvou a minha família, meus amigos e todo meu vilarejo. Você é razão de eles estarem bem agora. Eu sou extremamente grato por isso. -Falou sincero, com o olhar carregado de sentimentos de gratidão.
  ~Não quero que se obrigue a ficar por causa disso. Não vou desfazer o que fiz, pode acreditar.
  -Eu não estou me obrigando a ficar! Eu gosto de ficar aqui com você! Os dias são divertidos e me sinto muito bem aqui. Me sinto tão em paz e relaxado, e também me sinto seguro. -Arius disse com um sorriso de puro afeto e sinceridade e o lobo sentiu, como tantas vezes antes, aquela coisa estranha dentro de si, mas também sentiu algo queimar em seu peito e soube finalmente definir o que era aquele sentimento familiar e estranho. -Não quero ir embora e te deixar sozinho outra vez. Quero ficar ao seu lado, porque você é a pessoa mais gentil que eu já conheci e não merece ficar só. -Disse com notável comoção na voz e o animal aproximou-se lentamente de si, esfregando o focinho em seu rosto enquanto o encarava nos olhos.

  O lobo sentiu no mais profundo de si aquele sentimento aflorar de dentro para fora e pôde, enfim, dar um nome à familiar sensação.

  ~Arius... -O animal chamou baixo e o garoto acariciou seu pelo com ternura, sentindo-se bem ao sentir a maciez abaixo de seus dedos. ~Meu nome é Yaze Yaotl. -Disse sem desgrudar os olhos dos do ruivo e este sorriu caloroso para si.
  -Yaze! -Exclamou sorridente de olhos fechados e abraçou o corpo enorme do lobo, afundando-se nos pelos negros, e este simplesmente deixou que o garoto fizesse o que quisesse e o abraçasse, sentindo-se puramente feliz por estar ali, por Arius estar ali.

  Yaze finalmente abrira seu coração para alguém após muitos, muitos anos e sentia que Arius era alguém especial. Podia confiar nele. Podia permitir-se amá-lo, pois não havia mais como querer fugir depois de se dar conta de algo assim.









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Novamente agradeço pela sua atenção e peço desculpas por qualquer erro aqui cometido.

A Maldição do LoboOnde histórias criam vida. Descubra agora