Amaldiçoado.

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Desde já agradeço pela sua atenção e peço, antecipadamente, desculpas por qualquer erro aqui cometido.




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  Muitos anos atrás, antes mesmo de o vilarejo no qual Arius vivia sequer existir, pequenas vilas eram dispostas por todo lugar e tudo era mais selvagem e perigoso. As pessoas tinham que estar sempre alertas e, por mais que sempre estivessem, infelizmente era comum ocorrerem assaltos, assassinatos e as mais diversas atrocidades. Então, em meio a tanto caos e desgraça, ataques furiosos e sanguinários começaram a ocorrer nas vilas de certa região.
  As pessoas já não dormiam bem à noite por conta dos terríveis relatos de outras vilas e ninguém mais estava seguro. Então, para a sorte de todos, um dia chegou na vila um jovem de pele morena e cabelos negros, cujos olhos eram azuis tão intensos que eram quase cinzas. Este jovem, cujo semblante não era mais do que hostil, carregava em suas costas uma espada longa e afiada e uma lança, junto de uma bolsa em suas costas, onde levava seus pertences, e um colar prata com uma belíssima pedra azul-acinzentada.
  O jovem, após pagar por uma cama para passar a noite e um prato de comida em uma espécie de estalagem, perguntou porque todos ali estavam assustados e onde estavam as crianças e jovens da vila. E o dono do local falou sobre os ataques e o alertou sobre viajar por aí sozinho, mesmo que com a espada e a lança.

  -Sinceramente, não tenho medo de mais nada. -O jovem disse enquanto comia e o homem lhe encarou curioso.
  -Você é um caçador? -Perguntou ao apontar para a lança ao seu lado e o jovem estreitou o olhar para o objeto.
  -Digamos que sim. Mas, por enquanto, estou descansando e pensei em me estabelecer em algum lugar aqui perto, pois tenho que falar com uma das anciãs. -Disse enquanto terminava de comer e logo abaixou o prato na bancada uma última vez.
  -Oh, isso é bom! Não temos mais tantos caçadores aqui! A maioria abandonou a vila com suas famílias, porque estavam com medo dos ataques... -O homem disse com um sorriso sincero. -Aliás, a anciã mais próxima fica a três dias de caminhada na direção das Montanhas de Gelo. -Falou após recolher o prato e servir mais para o jovem. -Por conta da casa, você está precisando se alimentar bem! -Exclamou com um sorriso e o jovem aceitou, agradecendo-o.

  Então, após comer e beber um pouco, o jovem retirou-se para a cama alugada e deitou-se, apenas pensando em descansar da longa caminhada que teve.
  Com o passar dos dias e meses, o jovem acabou criando uma boa amizade com o dono da estalagem e uma boa relação com as pessoas da pequena vila, sendo o novo caçador do local e trazendo um pouco mais de alegria para os moradores -além de certa segurança, pois havia afugentado alguns ladrões que tentaram saquear a vila. Havia ido até a anciã -quase dois meses após ter se instalado na vila- em busca de respostas, mas quase tudo o que ouviu foi o mesmo de sempre e o jovem já pensava que, se nada mudasse, teria que acabar usando a lança que carregava consigo.
  A verdade sobre o misterioso jovem de belíssimos olhos azuis, quase cinzas, era que, desde seu nascimento, por conta de seus pais que se recusaram a dar a criança como sacrifício em nome de um dos muitos Espíritos Guardiões, ele fora amaldiçoado por uma bruxa. Por isso, quanto mais ele crescia e mais as evidências da maldição se tornavam notáveis -temperamento explosivo e animalesco, audição e olfato apurados...-, mas seus pais temiam, assim como as outras pessoas de sua vila natal, então, quando cumpriu 12 anos de idade, o jovem foi levado até uma anciã que lhe deu uma espada, dizendo que era para ele usá-la nas batalhas que viriam, e uma lança, a qual a anciã disse se tratar de seu último recurso, e um colar prata com uma pedra da cor de seus olhos, a qual carregaria sua alma humana quando a maldição se manifestasse completamente.
  "Você está amaldiçoado, minha criança. Não vai ter uma vida normal e vai se transformar em um monstro para sempre", a anciã disse após entregar os objetos e o menino lhe encarou assustado. "Como assim... um monstro?", o garoto perguntou apertando com força o cabo das armas contra si junto ao colar. "A bruxa que lhe amaldiçoou era muito poderosa. Não há como fugir disso. Mas, lembre-se, para evitar o máximo que a maldição se manifeste, você deve evitar sumamente derramar sangue humano. Assim que você derramar uma gota que seja de sangue humano, vai começar a se transformar em um monstro. E só os Espíritos sabem o que vai acontecer depois", a velha disse apreensiva e o garoto sentiu-se tão assustado que poderia morrer.
  Então, assim que o jovem descobriu sobre a tal maldição que o seguia, ele e seus pais, assim que voltaram para a vila, foram atacados pelos outros moradores, pois eles já não conseguiam viver com o medo de que o garoto se transformasse e matasse a todos. Porém, o jovem conseguiu escapar do ataque -sua mãe se pôs em sua frente quando lhe estavam para atacar- e correu para a floresta, carregando consigo a espada, a lança e o colar que a anciã lhe havia dado. E, ao longo dos anos, o jovem teve de aprender a viver e sobreviver por si mesmo.
  Sem pais ou qualquer outra pessoa com a qual contar, o garoto aprendeu a caçar sozinho, aprendeu a preparar sua própria comida e, quando encontrava alguns caçadores mais experientes pelas florestas, aprendia coisas novas e ensinava outras em troca de algo que precisasse. Assim, praticamente vivendo uma vida selvagem e sempre com o peso da maldição sobre si, o jovem chegou ao final da adolescência com um belo físico e muita habilidade para o que quer que fosse que precisasse fazer, mas sem se aproximar muito de nenhuma pessoa que cruzou seu caminho.
  Às vezes fazia alguns trabalhos em algumas vilas pelas quais passava e recebia dinheiro, então podia gastar em algo que estivesse precisando, ou simplesmente trocava trabalho por objetos ou comida ou um lugar para dormir, sempre pensando na maldição e buscando um jeito de acabar com ela, mas todas as anciãs ou bruxas que consultava diziam a mesma coisa "Uma alma amaldiçoada", "Não há o que fazer", "A lança é seu último recurso". Até que, após se estabelecer naquela vila, consultou a anciã mais próxima há três dias de caminhada e esta lhe disse tudo que já havia escutado das demais, porém havia uma coisa que nenhuma outra anciã ou bruxa havia lhe dito antes... "No bosque... Uma árvore muito, muito antiga e um lago... Lá. Com certeza lá. Você vai encontrar o que procura se souber ter paciência. Isso, isso mesmo... Como queima... Ah, é o sol... É verdade, é verdade!", a anciã murmurou enquanto mexia a cabeça para os lados na tentativa de ouvir mais do que os Espíritos diziam. "Você, jovem amaldiçoado, busca por calor. Lá você vai encontrar o que procura. Vai, sim. Só precisa... Só precisa saber... saber... esperar, é isso. No bosque... Você vai saber", murmurou enquanto ainda mexia a cabeça e o jovem agradeceu, e quando a velha começou a falar e querer brigar com os Espíritos, saiu.
  Infelizmente, após outros três dias de caminhada para voltar para a vila na qual havia se estabelecido, o jovem a encontrou completamente arrasada. Não havia nada que estivesse inteiro. As casas e construções estavam queimadas e algumas ainda ardendo em chamas. O jovem não pôde acreditar no que via e rapidamente correu na direção da estalagem, vendo o local consumido pelas chamas.

  -ALGUÉM!! TEM ALGUÉM AQUI?? -O jovem gritou no meio da rua e ouviu um baixo chamado vindo de trás da estalagem, então correu naquela direção e viu Chak, o dono da estalagem, caído embaixo de escombros. -Chak! O que aconteceu aqui? -Indagou desesperado ao retirar o homem dos escombros e este tossiu sangue.
  -Eles vieram... aproveitaram que você não estava... Destruíram tudo, garoto. -O homem disse com lágrimas nos olhos e tossiu mais sangue.
  -Chak, meu amigo... Eles quem?
  -Levaram as mulheres e as crianças... E mataram todos os outros... -Murmurou com um fio de voz e o jovem sentiu o sangue ferver.
  -Me diga, Chak, quem foi que fez isso? Para onde levaram as crianças e as mulheres? Me diga. Eu vou matá-los um por um. -Disse com um rosnado e tanto a pedra que levava em seu colar como seus olhos brilharam.
  -Os saqueadores... que vêm destruindo... todas as vilas... Finalmente chegaram... aqui... -Falou com a voz enfraquecendo aos poucos e, então, não falou mais nada.

  O jovem abraçou o corpo desfalecido do amigo e, após se recuperar do acontecido, deitou-o embaixo de uma árvore e partiu, pois as crianças e as mulheres ainda precisavam de si. "Se ao menos eu não tivesse ido até a anciã...!", o jovem pensou remoendo-se de culpa e apertou o passo, sentindo o sangue ferver mais e mais a cada segundo.
  Então, de repente, o jovem viu uma trilha no chão e seguiu aquele rastro até o cair da noite, levando-o até um acampamento ao ar livre. E lá ele encontrou as crianças e mulheres -que realmente não eram muitas na vila- presas dentro de jaulas, como animais selvagens, e não pôde mais controlar a raiva que sentia.
  O garoto tirou a espada das costas e partiu para cima dos homens que bebiam e comiam em volta da fogueira, cortando as cabeças de dois antes de o restante partir para cima de si em retalhação. Então, em meio à luta intensa e a qual o jovem estava perdendo, a lua cheia brilhou no céu quando as nuvens se dispersaram e o garoto sentiu o corpo queimar e seus olhos e a pedra em seu pescoço brilharam como nunca. Ele caiu de quatro no chão e seus ossos começaram a se contorcer debaixo de sua pele, as unhas se alongaram, pelos negros começaram a surgir em seu corpo e toda sua fisionomia mudou e deu lugar a um enorme e horripilante lobo negro de dois metros de altura. Então, tomado por uma violenta sede de sangue, o lobo atacou ferozmente os saqueadores e os destroçou.
  Após terminar com aqueles homens, o lobo voltou à forma humana e libertou as crianças e mulheres e perguntou se todos estavam bem, mas todas as mulheres se afastaram com as crianças, assustadas pelo que haviam acabado de presenciar.

  -Não se aproxime! Monstro! -Uma das mulheres exclamou afastando-se e protegendo os filhos e o jovem sentiu o peito comprimir, então as outras mulheres também começaram a xingá-lo e proteger os filhos.

  A palavra "monstro" havia penetrado tão fundo em si que o garoto apenas pôde recolher as coisas que havia deixado no chão e se afastar, sentindo o peso dos olhares assustados sobre si e um peso ainda maior no peito por perder as únicas pessoas as quais havia se afeiçoado desde seus pais.
  O jovem, então, caminhou por dias e noites -nas quais a maldição se manifestava e o transformava em lobo, o que se tornaria cada vez mais frequente até que o jovem fosse completamente tomado pelo animal- até chegar em uma imensa floresta de arbustos densos. O garoto, por não ter mais para onde ir ou o que fazer, entrou na mata e caminhou por mais um dia inteiro até chegar em uma enorme clareira, onde havia uma enorme e velha árvore e um lago de água puramente cristalina. "No bosque... Uma árvore muito, muito antiga e um lago", o jovem lembrou ao caminhar até a árvore e tocou em seu tronco, sentindo-se, pela primeira vez em muito tempo, em paz. "Parece que é aqui onde eu vou ficar", o garoto pensou com certa tristeza e analisou a árvore com calma. "Pode servir como casa", pensou ao tirar a bolsa dos ombros e a espada e lança, então começou a trabalhar.














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Novamente agradeço pela sua atenção e peço desculpas por qualquer erro aqui cometido.

A Maldição do LoboOnde histórias criam vida. Descubra agora