Ameaça tácita

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21:35h

É engraçado como uma memória distante de repente pode se tornar tão vivida e clara em sua mente.

Você ainda se lembra do dia em que sua mãe conversou com você, a sensação de estar segura quando ela te cobriu depois de ter deixando um beijinho molhado em sua testa.

Ela disse que o mundo muitas vezes pode ser injusto, e as pessoas que estão a sua volta podem não ser o que aparentam.

Talvez seja a sede afetando seu raciocínio, ou talvez seja sua sanidade já começando se esvair, mas tudo o que você sabe é que não consegue culpar ninguém além de si mesmo por estar nessa situação.

Você deveria ter escutado melhor a sua mãe.

Escutado a parte em que ela falou que nos momentos difíceis você estará sozinha; que o mundo muitas vezes é sobre plantar afeto e colher descaso em troca.

Se você tivesse escutado e entendido quando ela tentou te alertar sobre o mundo, você não estaria sentindo esse sentimento que está te consumindo mais do que a fome e a sede. É algo além do desamparo, além da dor de sempre ser irrelevante e substituível para as pessoas a sua volta. É como estar perdendo a luz aos poucos.

Nada nesse mundo se compara com o que você está sentindo agora.

E a razão tudo isso é simples. Basta saber que você depositou esperançosamente sua confiança no errado, esperou muito de alguém que não traz nada além de mais decepção para você.

Ele não vai vir te buscar. Ninguém vai. Mais uma vez, só que de uma forma diferente, Gojo te deixou.

Garganta dolorida como se estivesse formado espinhos afiados que arranham cada centímetro dela, corpo dolorido pela desidratação, estômago vazio implorando por comida, mente se afogando em pensamentos. É assim que você está quando lentamente abre os olhos para ver o mesmo cenário, um porão sufocante e abafado.

Você estremece de dor ao tentar engolir em uma tentativa inútil de tirar sua sede, lábios rachados, olhos pesados de sono ao ponto de não conseguir mais mantê-los abertos por muito tempo.

Não é possível dormir bem com a dor que você está sentindo pelo corpo.

Desde aquele dia te desamarraram da cadeira para que você ficasse no chão presa por uma corrente como um cachorro abandonado. Você sente as marcas já se formando em seu corpo por ficar deitada e estática nesse chão áspero.

Você não tem tanta energia para ficar se movimentando toda hora.

Por todos esses dias não te deram água e nem comida, em questão da luz não ligaram porque ninguém entra na sala. No entanto, quando está de dia a luz do sol atravessa um pequeno buraco da parede, te dando um pequeno vestígio de luz para indicar quando é dia e noite, nada além disso, já que é tão pequeno que mal ilumina.

Por suas contas passaram apenas 4 dias que você está aqui, mas para você parece uma eternidade porque o tempo passa lentamente.

Se ao menos estivessem te dando água poderia ser possível aguentar mais um pouco, mas você sabe que Choso fez sabendo que seria mais doloroso desse jeito e que você não iria sobreviver por muito tempo assim.

Provavelmente, falta mais 2 ou 3 dias pra você morrer literalmente de sede.

Você se odeia por pensar que Gojo viria te buscar. Foi preciso passar duas noites aqui para a compreensão vir como um soco na sua cara.

Ele não vai vir.

Você rosna só de pensar nisso, mas a proposta de Choso muitas vezes passou pela sua cabeça. Você pensou em aceitar, principalmente nos dias em que era possível escutar os homens que ficam guardando a porta comendo e mastigando alto.

𝑰𝑲𝑰𝑮𝑨𝑰 - 𝑻𝒐𝒋𝒊 𝒁𝒆𝒏𝒊𝒏Onde histórias criam vida. Descubra agora