Grace tocou a campainha da casa despretensiosa, mas que ficava num bairro de luxo. Como o irmão sempre dizia, ele era um idiota. Se queria passar despercebido, que fosse numa casa grande e luxuosa, como as demais, não na casa pequena e mal cuidada, em meio a mansões.
A mulher que abriu estava mal vestida e tinha uma cara azeda. Meu Deus! Por que ele não escrevia 'esconderijo' na soleira da porta?
"Tenho uma encomenda para entregar em mãos." A mulher a olhou.
"Pode me dar." Ela disse. Seus dentes, os que ainda restavam, eram marrons. Cigarro. Muito cigarro, deve ter começado a fumar quando criança. A ânsia de vômito veio e ela segurou com esforço.
"Você não é Michael Marshall. Eu tenho que entregar para ele e apenas ele. Posso entrar?" Ela disse já forçando a entrada.
A mulher não esperava que ela dissesse o nome verdadeiro dele. Na verdade Grace também não pensaria que ele diria seu nome verdadeiro para aquela mulher. Ela devia ser bem fiel. Isso dificultava as coisas, mas não tornava impossível.
Lá dentro, se arrependeu. O cheiro era horrível, uma mistura de charutos e comida estragada. Talvez esse fosse o plano. Era difícil de imaginar que um médico e cientista morasse ali.
A sala estava entulhada de móveis velhos. Sofás com estofamento rasgado, cadeiras manchadas e mesinhas de canto que ficavam no meio do caminho.
Grace olhou em volta procurando um lugar para se sentar, mas tudo fazia o estômago dela girar.
"Onde é o escritório?" A mulher fingiu não entender.
"Isso aqui é algo instável. Não há nenhuma superfície totalmente nivelada nessa sala. Tenho certeza de que Michael vai agradecer se não tiver que ficar levando esse troço de um lado para outro." A mulher continuou calada, em dúvida.
"Nunca aconteceu nenhum acidente com as matérias primas das coisas que ele fabrica?" Era um tiro no escuro. Se metade do que já ouviu sobre Michael fosse verdade, a possibilidade seria grande.
"Por aqui." A mulher falou e saiu da sala.
O escritório era bem menos fedido. Uma mesa sólida de madeira escura ocupava grande parte do cômodo. Grace colocou o pacote que trazia na mesa com toda a dramaticidade que conseguiu. Depois enxugou a testa.
"Bom, agora esperamos. Seria muito abuso pedir um café? Ela disse sorrindo.
"Seria." A mulher respondeu de cara cerrada. Grace continuou sorrindo. A mulher trocou o peso do corpo de um pé para outro. Ansiedade. Banheiro ou cigarro, ou os dois. Grace indicou a janela fechada.
"Posso?" Abrir a janela seria muito bom.
"Não." A outra cruzou os braços.
Grace não queria ter que fazer alguma coisa drástica, mas a mulher era durona. Então, que se foda.
"Eu não estou me sentindo bem. Acho que respirei muito perto do pacote." Ela colocou a mão na testa. A mulher ficou no mesmo lugar, mas seus olhos mostravam hesitação.
E Grace vomitou. Lançou todo o conteúdo de seu estômago nos pés da mulher.
"Que porra!" A mulher a olhou com nojo.
"Você não está sentindo nada diferente? Náusea, tonteira?" Grace perguntou num fio de voz se apoiando na mesa.
A mulher torceu o nariz. O cheiro do vômito de Grace devia estar afetando-a.
"Por favor, me dê um pouco de leite. Posso estar sendo envenenada pelo tempo que segurei esse troço." Grace disse com voz chorosa.
A mulher saiu da sala. Grace não tinha muito tempo. A sorte é que no tempo que ficou ali, ela descobriu onde era o esconderijo de Michael. Debaixo do tampo da mesa. Ela se abaixou e viu o mecanismo de abertura. Michael teria uma chave que com certeza levaria consigo, mas ele não seria idiota de ter uma chave só. E ela já imaginava onde a chave poderia estar: dentro de um porta retrato de Michael e seu irmão. Não foi difícil tirar a chave, abrir o tampo e trocar os frascos.
Michael era meticuloso e metódico. Se não houvesse motivos para suspeitar, ele continuaria usando os frascos por ordem de produção. Grace deixou três frascos verdadeiros na ordem. Demoraria para ele perceber que nos outros havia apenas água.
A mulher demorou. Devia ter ido ao banheiro primeiro antes de ir a cozinha. Quando abriu a porta, Grace já estava mais composta, em frente a janela.
"Acho que foi meu estômago mesmo, estou melhorando. Eu tive que abrir a janela, me desculpe." A mulher entregou o copo de leite a Grace e foi fechar a janela. O líquido estava amarelado. Ou o leite estava estragado ou o copo estava sujo. Grace achou melhor não procurar descobrir. Fingiu que deu um gole e devolveu o copo para a mulher.
"Obrigada. Acho que vou para o hospital. Daqui a pouco, alguém chegará aqui para pegar o pagamento, não posso esperar."
A mulher acenou.
Grace saiu andando devagar. Sua bolsa, cheia de frascos poderia fazer barulho.
Do lado de fora, ela inspirou o ar. Michael era inteligente. Um Nova Espécie teria o nariz totalmente confundido ali, naquela casa fedorenta.
Ela foi pra casa. Estava com a garganta dolorida por ter vomitado e faminta. Um banho também era necessário.
Grace suspirou no táxi, imaginando a água quente a envolvendo. Tinha dado o primeiro passo. O futuro ainda era incerto, mas ela não morreria sem lutar.
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TORRENT
FanfictionTorrent tinha tudo que um macho poderia querer. Morava num lugar bonito, calmo e tranquilo na Zona Selvagem, longe do caos que era a área familiar. Ajudava Leo com seus animais, curtia o melhor de ser celibatário: não ter que lidar com as frescuras...