CAPÍTULO 19

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Grace passou pela enorme sala de estar da casa de Valiant e subiu as escadas. O quarto dos trigêmeos era a segunda porta a direita. A sensação de arrepio na coluna estava ao máximo, ela estava focada, seu faro, inclusive, estava melhor do que era. Autopreservação. Isso desencadeava os sentidos apurados dela. Inspirou fundo: ninguém ali, todos estavam no churrasco na área gourmet atrás do refeitório. Ela e Torrent estavam lá com seus bebês, como uma família feliz. Ela estava feliz, até que o notou olhando para o vazio. Ela o beijou, ele correspondeu, mas não com a fome de sempre. Não com amor. A substância estava no fim, ela o perderia. Isso doeu tanto que uma lágrima escapou. Ela entrou no quarto dos trigêmeos. Nunca tinha estado ali, na verdade, achava que ninguém entrava ali. Não era o quarto infantil que pensou que seria.
Três camas com cabeceiras de madeira escura lado a lado, uma escrivaninha tripla com laptops, um armário enorme cobrindo toda uma parede. Grace concluiu que devia ser como o quarto dela, uma porta do grande armário levaria ao banheiro.
Ela abriu a primeira porta a direita. Brinquedos. Muitos brinquedos, todos nas caixas originais, bem organizados.
Valiant deve ter gastado uma fortuna com tantos brinquedos. Seu lado administrador ficou pensando de onde Valiant tirou tanto dinheiro. Mas ela não estava ali para isso.
Abriu a outra porta e se deparou com mais brinquedos, dessa vez, vídeo games. Todos os lançamentos, e alguns pareciam item de colecionador, antigos e valiosos.
A outra porta era da parte onde ficavam as roupas. Haviam muitas blusas azuis, verdes e vermelhas, isso a lembrou de Huguinho, Zezinho e Luizinho. Ela então reparou que Simple invariavelmente estava sempre de vermelho, Candid, de azul e Honest de verde. Nenhum moletom. Calças jeans, bermudas, camisas. Tudo de marcas conhecidas e caras. Eles se rodeavam de tudo que era melhor. Novas Espécies estavam sempre de moletom, Torrent parecia só usar moletom. Ele tinha apenas duas calças jeans em seu guarda roupas. O que era uma pena, ele ficava incrível naqueles jeans apertados. Ela começou a suar. Pensar nele sorrindo, ou mesmo com seu semblante de sempre, sério, a aqueceu. Estava usando valeriana, mas todo cuidado era pouco com Simple.
"Grace? Posso ajudar?" Sua coluna doeu. Mas como? Ela nunca tinha sido pêga de surpresa. Era Honest. Menos mal.
"Eu queria uma roupa para meus bebês, eles se sujaram de gordura e as roupas que estão aqui, estão pequenas." Não era mentira, seus bebês estavam enormes.
Ele mexeu entre algumas roupas e tirou umas blusas.
"Essas são bem pequenas deve servir neles. E eles podem ficar de fralda."
Grace suspirou aliviada, ele não era uma ameaça. Então porque sua coluna ainda estava arrepiada? Ela olhou para o menino, ele sorriu estendendo as blusas para ela. No fundo dos olhos, porém, havia um pequeno brilho frio. Toda a sua intuição lhe dizia para correr dali.
Mas Torrent acabaria lhe deixando, ela precisava da substância.
"Honest?" Ela deixou uma lágrima escorrer. Ela era uma pessoa horrível, Torrent ia acabar percebendo e a mandaria ir embora.
O menino a guiou até a cama, Grace se sentou. As lágrimas caíam.
"Eu preciso da substância. Eu não estou pronta para deixá-lo, Honest. Ele está estranho, não me olha do mesmo jeito mais. Por favor, Honest!"
O menino endureceu o olhar, e Grace entendeu por que sua intuição continuava em alerta. Não era Honest. Era Simple que a olhava agora, sem compaixão. Grace enxugou as lágrimas.
"Sinto muito, mas não posso. Simple me mataria." Não havia nenhum traço de medo nos olhos dele. Simple não o mataria, ele era Simple.
"Por favor!" Ela fechou os olhos, se concentrando em sua intuição. Não voltaria atrás. E a lua, grande, clara e brilhante apareceu na mente dela.
"O que a lua significa pra você?" Ela achou que ele voltaria atrás, mas foi o contrário. Ele, num movimento incrível, tão rápido que ela não entendeu como, apertou a garganta de Grace. Ela caiu pra trás na cama, com ele sobre ela.
As mãozinhas dele pareciam um torno. Muito apertado. Muito forte. Os olhos dele estavam sem expressão nenhuma.
"Ninguém sabe que você está aqui, não é?" Ele apertou mais. Grace não sabia o que fazer, respirar ou tentar se soltar?
"Não reagimos bem a ameaças. Muito mais envolvendo Lunna."
Lunna? Quem era Lunna? Ela tinha sido apresentada para tanta gente ali! A coluna doía, agora. Quem era Lunna, pelo amor de Deus? Pontos escuros começaram a aparecer na borda da visão dela. A lua apareceu de novo. Lua, não Lunna. Meu Deus! Era a filha de Moon! Grace abriu a boca, num esforço para falar, mas não havia ar.
"O que você pensa que está fazendo?" Graças a Deus! Grace estava a beira da inconsciência, ele era muito mais forte que parecia.
Ele a soltou, Grace teve um acesso doloroso de tosse.
"Ela veio atrás de mais substância. E usou Lunna para conseguir."
Grace se sentou. Ou estava vendo dobrado ou os trigêmeos estavam ali, no quarto. A porta estava fechada. Não era um boa notícia.
"O que ela disse?"
"Ela falou sobre a lua, me chantageando. Não esqueça que ela é filhote do tio Ven."
"Eu só preciso de mais substância, por favor, Simple!" Grace disse num fio de voz.
Eles pareciam um só, mesma postura e expressão. Grace sentiu um pavor a tomar.
Um deles, não sabia qual e não importava, abriu uma porta do armário, fez alguma coisa lá dentro e mostrou a Grace o frasco que ela queria.
"O que sabe sobre Lunna?" Ele perguntou. Não era uma pergunta que ela pudesse responder.
"Eu não sei de nada, nem lembrava dela, sei que me apresentaram a Moon e sua família, mas nunca nem conversei com eles, nem lembro o nome da esposa dele. Eu tenho premonições e visões, mas, na maioria das vezes, não entendo direito o que vejo. Eu vi a lua, só isso, eu juro." Dois deles se voltaram para o que tinha tentado estrangular Grace.
"Você é um idiota. Por conta disso será Honest por mais um mês." Um deles disse.
"Não. Não serei! Ela está louca, vocês não vêem?"
Eles começaram a se rodear, iam brigar. Grace não sabia o que fazer.
"Por favor, não briguem. Eu desisto da substância, só me deixem sair daqui!"
Eles se olharam. Pareceram decidir alguma coisa.
"Grace, escute bem. Vamos te dar a substância, não temos uso para ela. Você vai esquecer tudo o que viu aqui. Esquecer sobre Lunna, esquecer sobre nós." Os olhos deles eram tão bonitos!
"Esqueça, Grace. Posso confiar em você?"
Esquecer? O que? Grace não sabia nem onde estava, só notava o quanto a cama era macia, e que estava cansada. Talvez fosse bom se deitar um pouquinho. Só um pouquinho.

TORRENTOnde histórias criam vida. Descubra agora