1.2 O Último Afeto PARTE 1

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-Uma vez, Drongauf já foi invadida – o homem disse com serenidade, enquanto abria a portinhola da fornalha. – Foi a maior batalha que Suff já contemplou. Na verdade, foi a primeira e a única. E curiosamente, como hoje, a muralha estava com...

Um pó preto saiu de lá, ele recuou três passos abanando as mãos em frente ao rosto sujo.

-Para trás, crianças! – Disse prontamente. - Sabe-se lá quanto tempo essas coisas estão paradas.

Uma das crianças, o menino, voltou os passos atendendo o pedido do outro. Mas a outra, a menina, demorou um pouco para seguir a ordem.

-Onde estávamos? Ah, sim, como hoje, a muralha estava com rachaduras internas.

-Meu pai já me contou de... – E a fala do garoto fora interrompida por uma tosse seca devido a poeira – Meu pai já me contou da invasão de Ielebre. Ele disse que tem muitos elfos por lá. Eu nunca vi um elfo.

-E não será lá que verá um. Não nos tempos de hoje – ele olhou atentamente às duas figuras.

Os dois haviam simplesmente aparecido por lá, e ele os achou divertidos. Depois dos últimos dias de tensão, o mínimo que queria era uma conversa descontraída.

O menino, aparentemente mais jovem, de cabelo curto, sardas nas maçãs do rosto e olhos claros não parava de tagarelar. Era visivelmente inteligente para a idade que tinha. Carregava um caderno e uma pena, o refil de tinta estava preso na cintura, e a cada nova frase, ele tomava nota e mostrava à sua companheira.

A garota, mais velha, ainda não havia falado nada, ela lhe parecia muito estranha. Diferente do menino, seus cabelos eram ondulados, o rosto magro e os olhos não paravam num só ponto. O que o menino tinha de papo, ela tinha de atenção. No mesmo tempo em que ela parecia um pouco deslocada do que estava sendo dito, era claro de que de tudo prestava atenção, com os olhos.

Vez ou outra, os dois pequenos pareciam se comunicar apenas com o olhar.

–Dizem que os elfos de Ielebre foram todos mortos. Há quem diga que eles fugiram para debaixo da terra, para viverem como insetos, depois que o Verão chegou por lá. E lá devem estar até hoje!

O menino tomou nota, mostrou à menina, ela fez uma expressão de dúvida com o rosto. Era uma garota inteligente, deveria estar com os seus quatorze ou quinze anos. O menino devia ter no máximo onze anos, ele notou que havia escrito algo errado no caderno. Corrigiu-o rapidamente e a irmã acenou com a cabeça, entendendo finalmente.

O homem notou que o garoto, vez ou outra, abria a boca, mas nada falava, quando se dirigia à menina. Ele reproduzia as palavras, mas sem som algum. A menina, por sua vez, gesticulava muito e a sua expressão era rica.

O mais jovem coçou o queixo, muito pensativo, e a irmã o cutucara no braço. Os dois trocaram um olhar profundo, ela fez um gesto com as duas mãos muito rápido, como se estivesse manipulando uma espada, a expressão em seu rosto jovial era de fúria, o homem se perguntou o que ela queria dizer, mas o menino interrompeu os seus pensamentos quando disse:

-Os elfos de Ielebre que atacaram Drongauf... Eles pouco aproveitaram das rachaduras da muralha...

O homem sorriu e finalmente compreendeu. Aqueles dois tinham um elo único, certamente. Ver uma pessoa com deficiência auditiva viva até aquela idade já era bem raro. Ver uma pessoa com deficiência auditiva conseguindo se comunicar com outra pessoa era ainda mais curioso. Ele olhou mais uma vez para a menina, ela continuava a trocar informações com o olhar com o irmão.

Havia algo a mais ali, algo realmente estranho naqueles dois, mas o que poderia ser?

Avançou o passo até a fornalha novamente. Enfiou a cabeça dentro da abertura. Voltou com o rosto ainda mais sujo, botou as mãos na cintura e ergueu os olhos.

Flores Vermelhas - Sob as asas da liberdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora