1.3 Nas Entranhas da Podridão - PARTE 1

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A fogueira já queimava por umas boas horas, iluminando o rosto de cada um dentro de Burin. As grandes mesas de madeira serviam de suporte para as conversas dos mais variados gêneros. Pratos e copos vazios, outros pela metade, eram apenas o segundo plano daquela noite, muito embora a fartura fosse rara.

O momento era celebrado com a dança. E toscamente dançavam. Movimentos bruscos e tortos seguiam o ritmo brusco e torto dos arranhões musicais.

As chamas eram capazes de iluminar o que por muito tempo permaneceu oculto também. Naquelas velhas paredes, desenhos talhados na própria superfície revelavam o passado glorioso daquela terra. Os nobrianos, hoje, província do Sul de Asfaron, um dia governaram aquelas terras do Leste. E os desenhos mostravam as suas glórias, mostravam a fartura, mostravam a felicidade, mostravam flores vermelhas.

Tudo ali, esquecido pelos novos donos do Leste. Pois a glória, a fartura e, tão pouco, as flores vermelhas e toda a antiga Ordem do passado não lhes diziam respeito.

Dançando naquele chão irregular, todos se continham até certa medida. Afinal, ninguém queria arruinar aquele momento com a discórdia, muito embora ela estivesse entranhada em seus corpos.

Naquela noite, as ruínas do antigo palácio de Nobriam, Burin, a fortaleza, servia como salão de reunião e festa para os nebrianos.

Isolados em meio a mata de Aridor, os elfos e humanos do Leste de Asfaron se esforçavam para ficarem calmos, sabendo que as atrocidades de um destino perverso poderiam surgir a qualquer momento.

Burin já não era mais a mesma dos seus tempos de glória. Sobretudo, mesmo com seu chão irregular, com suas vidraças caolhas e com o seu teto, majestosamente trabalhado em madeira negra e pedras cinzas, decrepitamente esburacado, mantinha uma invejável força e vigor.

Era quase como um reflexo daquele povo, que resistiam, mesmo cansados, que existiam às sombras da grandiosidade de outros tempos.

E quando, nas mesas, comentavam algo sobre Afragir Saludir ou sobre um lugar chamado Ocren, sabiam que, naquele momento, estavam a salvo de qualquer censura dos tempos em que eram constantemente vigiados pela capital, e se sentiam a vontade para falar o que bem entendessem.

De vez em vez, as risadas se confundiam com as palavras e a música. No último conjunto de mesas, próximo a uma grande parede tombada nos limites do salão, um grupo de humanos e elfos prestava atenção enquanto um sujeito ruivo descrevia uma história.

Brend Grind, de Niuron, sabia contar boas histórias como nenhum outro humano do Leste. E, além de contador, era também um excelente caçador. E quando começou a narrar sobre a caça que teve logo após a caravana do povo de Niuron adentrar as profundas matas de Garounin, em uma manhã tomada por uma densa neblina, todos da mesa se atentaram em suas palavras.

-Jamais um niuriano encontrou tal aberração que apenas nesgrath pode oferecer! - Ele começou, sem antes dar uma demorada golada na bebida da caneca. - Quando topamos com a criatura no meio da estrada de Agath, a primeira coisa que passou em minha mente foi a morte! Não de risada, Pyth. Você não estava lá quando o porco começou a rodear a nossa caravana. Naquele momento, eram apenas eu e Ghana Luinor quem estavam responsáveis pela segurança da carroça das mulheres e crianças. Todas as outras, igualmente ao de meu lorde, Afragir Saludir, já havia ganhado terreno à frente. Imagino que já estavam quase chegando ao quartel dos caninos dourados, Angri'dar, vocês sabem... - E ele fez mais uma pausa, pensativo. -Não é impressionante? Só do mais intenso dos invernos surgir, os soldados da capital saem de nossas terras!

Havia verdade naquela afirmação, muito embora naquela nesgrath, alguns poucos soldados ficaram nos quartéis por conta da Lei da Escolha.

-Eles levam nossos filhos a cada sete anos e não ficam aqui para ver a coisa ficar feia, filhos da puta! – Uma mulher vociferou ao lado de Brend Grind.

Flores Vermelhas - Sob as asas da liberdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora