Sempre soube que a realidade que eu conhecia era pequena demais.
Quando as notícias chegaram nos próximos dias, dos acontecimentos de Docast, foi que percebemos o quão pequenos éramos frente a todo restante de eventos que nos circundavam.
Precisávamos do tremor daquela noite para finalmente acordarmos.
...
Darandil Ignil caminhava apreensivo.
Na verdade, estava bem calmo antes do exército tomar a sufocante e quase abandonada estrada real em Suff.
Estava acostumado com coisas grandiosas, afinal, há anos morava em Osrin, a capital de Asfaron. Mas aquele lugar era diferente. Suff parecia repeli-los.
Jamais estivera em Docast, a terra dos humanos do Norte. Tudo para si estava sendo bem novo, assim como para todo o restante do exército.
Antes mesmo de saírem dos limites da capital, semanas atrás, toda a estratégia para aquela noite havia sido prontamente desenhada. Havia cento e trinta cabeças separadas em três grandes grupos.
No primeiro grupo, marchando na vanguarda, ia Angridor Rendel e os seus homens de espadas, escudos e lanças. Darandil só sabia o que o conhecimento popular sabia sobre Rendel: a mulher era incontrolável quando segurava o cabo de uma espada. Seus homens buscavam se espelhar nela. Todos eram muito sedentos pelo calor da batalha.
Na retaguarda, ia Bansro E. Linket e os seus arqueiros, incluindo o jovem Ignil. Darandil conhecia bem Linket, além de general de seu batalhão, o homem de meia idade também era o seu tutor. Fora ele quem o selecionara há sete anos na Lei da Escolha em Nebrin, a sua terra natal. Desde aquele dia, Darandil o via também como um protetor. Naquela noite, ele faria de tudo para não o decepcionar.
De repente, o elfo ouvira um rosnado surgindo no flanco direito do exército. Logo após, o flanco esquerdo emitira o mesmo som, terminando em um mar sonoro de uivo. Um soldado ao seu lado levantou um lampião – ninguém carregava tochas, sabiam que em Suff, uma fagulha poderia ser mortal – repleto por pequeninos insetos luminosos, os vanguns. A luz das criaturinhas iluminaram as profundezas do elmo de Danrandil quando ele percebeu que algo havia irritado as montarias do exército.
Os flancos resumiam no terceiro grupo. Tratavam-se de verdadeiras criaturas sedentas pela caça. Os quadrúpedes, semelhantes a lobos disformes, possuíam corpo alongado, calda felpuda, patas compridas e incrivelmente musculosas, de forma que alguns eram capazes de, naquele momento, carregarem carroças com pesados pedaços de madeira e metal em duplas, mesmo a velha estrada real em Suff não estando em condições propícias a isso. Os olhos, de um redondo perfeito, saltavam para fora do rosto ossudo num preto profundo, o pelo era marrom tingido com bolinhas ou listras cinzas aleatórias, e o focinho era comprido e constantemente permanecia a farejar, como se possuísse vida própria. De todas as suas características, no entanto, a mais surpreendente eram os caninos poderosos que saltavam para fora da boca larga. Naquele instante, os iungh's uivavam para o topo de uma daquelas árvores.
Seus domadores, que carregavam também os estandartes de Osrin, que simulavam a imagem de uma árvore, tentavam inutilmente acalmá-las. Completamente sem sucesso, pois quando algo excitava aquelas feras, dificilmente poderiam ser paradas.
A não ser que algo mais temido do que elas pudesse aterrorizá-las.
E esse algo era o capitão de todo o exército.
Imediatamente, um berro amedrontador se fez ouvir por entre as árvores. Ele tinha origem para além da vanguarda do exército. E lá estava ele, um único e enorme elfo, de pé perante a todos os outros. Seus olhos cintilavam enfurecidos diante da luz alaranjada do lampião que a sua escudeira segurava um pouco distante de si. O homem erguia uma espada e a batia no escudo. Pouco a pouco, as criaturas foram cessando o uivo e abaixando a cabeça, num choramingo miúdo.
O exército ficou tenso.
Quando Frausvel Conel, o capitão, se irritava, era porque o exército havia falhado em algo.
Para Conel, a falha não era justificada.
Darandil cerrou os punhos com força. Já havia visto a fúria do capitão diversas e diversas vezes na sua carreira militar. Por mais que admirasse aquele elfo, por suas habilidades táticas e, claro, por compartilhar Nebrin como terra natal, o repudiava por conta do temperamento explosivo.
Ele acreditava que havia outras formas de se criar um exército forte. Um olhar lhe chamou atenção. Percebeu que ele mesmo rangia os dentes, e Bansro lhe retribuiu uma mensagem com os olhos que dizia: "Não me decepcione, Ignil", nos limites do batalhão.
Ele se acalmou.
A calma deveria permanecer com ele até o final daquela expedição.
Afinal, por mais que odiasse as medidas de Frausvel, fora o próprio capitão quem o escolhera para uma importante função naquela noite.
Aguardou uma possível manifestação de Conel. Mas ele limitou-se a tornar com a marcha.
De cabeça baixa, os cento e trinta soldados o seguiram pela estrada tomada por Suff.
Incertos. Temerosos. Revoltados.
Sedentos.
...
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Flores Vermelhas - Sob as asas da liberdade
FantasyEu encontrei uma flor vermelha naquela manhã nevoenta. Flores vermelhas só voam junto aos pássaros. Mas em Nebrin, o Leste de Asfaron, os pássaros não voam. Em Asfaron, poucos têm qualquer liberdade. Eu apenas comecei a notar a nossa triste realidad...