1.2 Entre Verdes Olhos

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Olun, a principal praça de Ondre, acomodava pouco a pouco pés que saíam das ruelas lamacentas do povoado.

O local era formado por tijolos que, pouco a pouco, ficavam amarelados por conta das eras de barro e do cinza pisoteado das flores.

O povo que chegava se acomodava próximo a um lance de degraus que dava acesso a uma plataforma banhada pelo vermelho ardente de tochas presas em duas grandes pilastras em suas laterais. Ao todo, a praça amarela era formada por quatorze torres semelhantes às primeiras, indicando até onde Olun se estendia.

Sobre a plataforma havia dois tronos e três pessoas já posicionadas, apenas contemplando os demais ondreanos surgindo entre colunas e a neblina que se adensava.

Os últimos raios de sol bombardeavam o lado direito daquela costela de tijolos, projetando sete perfeitas sombras que se estendiam para um leste distante. A incomum forte luz do luar já revelava seus traços em prata. E, no mundo das sombras, braços e cabeças começavam a se agitar, mas de suas bocas não vinham palavras algumas, pois o único som que reinava era o bater de asas e o incessante grunhido dos pássaros obscuros que, como vigias, fitavam os portadores da decisão de cima de suas torres amareladas.

A sineira já havia feito o seu trabalho. Conseguiu reunir àquela discussão a maior quantidade de pessoas possível, agora era só analisar a mensagem que fora entregue pelos mensageiros.

-Sobre o que será dessa vez? - Um humano se perguntava no meio do auditório.

-Sabe? Talvez seja sobre a Escolha, que vai acontecer daqui uns poucos dias...

-Não, nada disso. Ouvi dizer que faltam crianças élficas em Ondre. Não vou deixar que meu menino seja tirado de mim, vocês sabem. Talvez seja sobre isso a mensagem dos pássaros...

Na plataforma, a única pessoa que estava em pé aguardava em silêncio com a cabeça baixa. O elfo recepcionava as especulações, mas não demonstrava que concordava ou não com elas. Vez ou outra, no entanto, ele erguia os olhos, e, ao longe, contemplava apenas a sombria silhueta da enorme copa alaranjada que se estendia perante todas as outras no horizonte.

"O que nos preparou hoje, Sali'r", ele pensava.

A neblina o impossibilitava de ver mais detalhes, por isso, quando não estava olhando para baixo, ele se restringia a olhar à frente. Na verdade, o elfo não conseguia tirar os olhos daquelas duas flores. As duas únicas flores vermelhas que jamais haviam se acinzentado em toda Ondre.

Como uma fábula perfeita do passado que tudo era governado por elas, quem as possuíam eram as duas pessoas mais poderosas do povoado.

A primeira flor permanecia presa em uma tiara de madeira branca no cabelo da mulher à esquerda. Sentada no trono menor, ela tinha um ar de soberania. Trajava botas, calças grossas e uma blusa com pelos marrons de um velho raro gadrin, caçado há poucos dias, que aquecia o ventre prenho. O cabelo era cumprido e escuro, assim como seus olhos castanhos, quase negros. A mulher dedilhava vez ou outra o braço do trono com todos os dedos ornamentados em anéis de ferro e, quando não estava dedilhando, ela acariciava o ventre de 7 meses. Certamente, sentia a vida que florescia dentro de si.

A segunda flor, no entanto, estava acoplada no ombro da vestimenta do homem à direta. Assim como a mulher, ele conservava o ar de soberano. Diferente dela, sobretudo, a soberania era acompanhada pelo orgulho. E quando olhava ao seu povo com os escuros olhos verdes, era apenas para se convencer que era ele o mais poderoso entre os humanos. Estava com seus quarenta anos, mas os únicos fios brancos que surgiam eram aqueles que apareciam na barba castanha. O cabelo de mesma cor era constantemente jogado para trás com, também, os dedos ornamentados em anéis. Ele era um homem forte, mas não sábio. Gostava de mostrar o poder que tinha e, por isso, sempre que em público, enfeitava-se com os melhores couros e pelos de animais caçados, com os poucos ornamentos em ferro que vez ou outra os soldados deixavam no condado e, claro, com aquela flor vermelha que fazia questão de aclopá-la no ombro. Lugar em que todos certamente a veriam.

Flores Vermelhas - Sob as asas da liberdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora