"É preciso ter o caos dentro de si para gerar uma estrela dançante."
-Friedrich Nietzsche.-Eu posso ir mesmo? - Olho para a porta, ainda de braços cruzados, batendo o meu indicador enquanto pensava na resposta. Desde ontem a situação estava confusa e eu mantinha-me de uma maneira desconfiada. - Por que não diz algo?
-Desculpe, estava divagando... Tome o café da manhã e depois eu decido, tudo bem? - Vejo o gato assentir e começar a abanar a cauda, olhando para os lados de uma maneira curiosa. Esse fascínio pelo mundo, encantava cada parte da minha alma, enchia meu coração petrificado de um sentimento o qual nunca presenciei antes, quase como uma euforia, entretanto, não sabia direito como exemplificar e demonstrar, muito menos de ter alguma reação sobre isso. - Eu fiz só ovos mexidos para você, quer alguma coisa a mais? - Minha mente martelava pela culpa da noite anterior, fiquei pior quando essa criatura decidiu perder qualquer tipo de cansaço e ficou acordado na maior parte do tempo, fazendo perguntas de uma maneira incessante, tinha algumas que eu nem sabia como responder.
-Não! Eu gosto de comer isso também. - Minha atenção se virou para baixo, notando uma movimentação pelo meu canto de visão, então soltei um riso soprado quando percebi que o gato balançava a cauda de modo frenético. Isso era felicidade? Ânimo para comer? Eu não compreendia como ele não queria simplesmente sair correndo por qualquer canto daqui, fugir pela floresta e nunca mais se aproximar, mas ao invés disso estou tendo que cozinhar para ele, tentando de alguma maneira desculpar-me com ele do modo que eu encontro. E infelizmente é apenas com comida. - Posso ir mesmo?
-Estou pensando, saiba que vou com você, bola de pelos. - O garoto não demorou para começar a enfiar os pedaços do café da manhã sem maneira nenhuma na boca, ao menos ele estava se esforçando para usar os talheres, de uma forma bem engraçada, pois suas mãozinhas não seguram muito bem e acabava derrubando o garfo de prata sobre a bancada, o que fazia-me soltar sorrisos leves em meus lábios. Era estranho não sentir o peso de precisar esconder minha natureza para ele, mesmo eu vendo em seus olhos a repulsa por mim, sua mão acalentava-me em um carinho singelo, apesar de seu corpo tremendo por medo, sua voz saía doce e gentil, quase como uma figura materna, aquela que beija seus machucados e afaga o cabelo quando está tendo um sonho ruim. Um sentimento de compreensão o qual eu sentia precisar negar, pois nunca me senti digno o suficiente para finalmente permitir um acalento, sou um ser o qual merece o ódio dos outros seres, pois o que faço está longe de ser perdoado ou até mesmo concebido com uma outra visão além da qual transforma-me em uma aberração natural. Gostaria de poder ter algum amigo ou até mesmo uma companhia.
Virei meu rosto na direção dele, percebendo o prato vazio na frente do rapaz, ele comia muito rápido, poderia ter alguma congestão ou algo parecido. Querendo ou não, preocupava-me com o menor depois do que fiz ontem, faria de tudo para recompensá-lo da maneira a qual eu puder, mesmo precisando tirar algumas das leis as quais eu mesmo coloquei sobre esse híbrido tão interessante. Por que ele não estava demonstrando algum sentimento negativo em relação a mim? Eu gostaria de compreender esses seres tão diferentes e intrigantes.
-Já comeu? Parece que nem sentiu o gosto... - Suas orelhinhas se balançavam, prestando atenção a todos os barulhos em sua volta, tinham passarinhos cantarolando, denunciando a chegada do começo da manhã, deveria ser perto das seis e meia da manhã, tinha uma neblina lá fora e o sol estava envergonhado para sair, o que era bom para mim, pois gostaria de sair um pouco além do horário noturno, o matutino parecia muito instigante de se explorar, mesmo podendo dar-me uma dor de cabeça danada. Apenas queria ter novas experiências, as quais ainda tenho muito a viver, por mais engraçado e ambíguo que seja isso. - Às vezes eu noto que você não sabe comer direito, veja... Se sujou inteiro, está com a bochecha inteiramente suja! Até quando vou precisar limpar você? - Aproximo minha mão de sua bochecha, segurando seu rosto de modo delicado enquanto com minha destra livre, levo um guardanapo de pano até sua pele, a limpando suavemente. Levei um susto quando o ouvi fazer um barulho diferente, parecia algum som proveniente do fundo de sua garganta, era um... Ronronado? Achei apenas que os animais felinos faziam isso, não que um híbrido o faria também, mas até que era bonitinho vê-lo esfregar o rosto contra a palma da minha mão, era tão adorável esse tipo de comportamento, talvez não seja ruim assim ficar com ele aqui por mais um tempo, sentia o pouco da humanidade que restava-me se acendendo, em uma faísca pequena, a qual poderia crescer caso tivesse o ambiente apropriado para isso.
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Fluffly Blood • jjk + pjm
FanfictionEm uma sociedade na qual a venda de humanos metade animais era legalizada, existia um vampiro. Antiquado e amadurecido pelo tempo, vivendo despercebido por todos aqueles em sua volta, fingindo um emprego, uma família e principalmente quem era de ver...