Capítulo 6

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"Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal."

-Friedrich Nietzsche.

Subo e desço meu peitoral, tentando recordar como era a sensação de respirar como todos os outros seres. Sentia uma sensação avassaladora de abandono por parte da natureza, pois não posso morrer, muito menos respirar, então pergunto todos os dias do porquê precisar manter-me nesse estado praticamente vegetativo, agonizando todos os dias enquanto espero o fatídico dia em que poderei descansar meu corpo em uma paz verdadeira e eterna. Tornava-se muitas vezes melancólico ter esses pensamentos tão rotineiros enquanto admirava outros animais descansarem, de uma maneira plena e relaxante, sensação a qual nunca poderia experimentar novamente.

Sinto o peso ao meu lado e abro os olhos, virando meu rosto em direção ao rapaz que lentamente abria suas orbes azuis, sua expressão era sonolenta e tinha até mesmo uma marca de travesseiro atravessando sua bochecha, era adorável ver os fios bagunçados por conta do sono. Vê-lo coçar os olhinhos com as mãos era uma cena a qual retirava um sorriso leve em meus lábios.

-Dormiu bem? - Ele sorri e se espreguiça, esticando a cauda e levando as mãos até o meu rosto, passando a ponta de seus dígitos por minhas maçãs do rosto. - Pelo seu rosto, deve ter até sonhado, ou estou enganado?

-Por que você quer conversar comigo logo de manhã? Estou tão... - Sua fala foi interrompida por um bocejo, a voz estava rouca e levemente manhosa. Nem acredito que deixei ele dormir na minha cama, eu deveria deixá-lo sozinho, mas tenho medo de acontecer algo enquanto estou fora. - Tive um sonho legal sim, foi bem divertido sinceramente. Queria voltar para ver... - O olho curioso, como se dissesse para continuar a falar. - Era na praia, estávamos andando na areia... Eu sempre quis ir lá. - Desvio o olhar, encarando a parede enquanto respirava fundo, era complicado para ir à praia, por conta da reflexão do sol na areia, poderia me deixar bem doente e com alergia na pele, a qual ocasionaria bolhas terríveis em mim.

-Vou te levar à praia se for um bom menino, o que acha? - Gemo baixo de dor quando o senti pular sobre meu corpo, sentando sobre minha barriga e apoiando as mãos sobre meus ombros, não entendia o porquê de estar fazendo isso por ele, porque a praia era horrível para mim. - Calma, não precisa ficar tão animado assim, hoje vamos fazer algo bem chato, não precisa se preocupar.

-O que é? Vamos brincar na floresta? - O vejo abaixar as orelhas, tentando se concentrar no que eu iria dizer, seus olhos eram tão lindos com essa curiosidade que iluminava seu ser, gostaria de poder sempre ter isso.

-Vamos comprar roupas para você, mas para isso vamos fazer uma transformação no seu visual, não queremos problemas certo? - Eu ouvia alguns boatos, mas não tinha total certeza de que eram verídicos, entretanto, era de extrema importância ter certeza de que ele ficaria em segurança ao meu lado. Precisávamos ter o dobro de cuidado. - Aproveitamos e compramos mais algumas sementes e semelhantes para você reviver o jardim, queria isso não é? Você precisa ter algo para se distrair aqui, pode ser bem entediante quando fica por muito tempo, sabe que quero apenas priorizar seu bem-estar. - Comecei a tentar justificar essa minha vontade de cuidar, mais para eu mesmo do que para ele, pois sua expressão não demonstrava surpresa com minha fala, sentia muitas vezes que nem estava sendo ouvido.

O vejo dar de ombros e levantei, caminhando para a cozinha enquanto espreguiçava meu corpo, o qual nunca sentiu cansaço após minha transformação, sentia ser uma tortura terminar o dia completamente sem resquícios que eu vivi algo, como se eu estivesse sendo mantido em um estado de conservação permanente, esse sentimento deixava-me louco. Precisava de mais para viver, porém nunca encontrava algo realmente inspirador para fazer, além de cozinhar, claro.

-O que quer comer hoje de café? Algo doce ou salgado? - Pergunto assim que senti o ômega se aproximando, bocejando e balançando aquela graciosa cauda pelo ar. Eu deliciava-me com esses momentos tão simples, mas que traziam um pouco de significado para minha vida tão antiga. Sua energia era contagiante e fazia-me questionar se não estou realmente apreciando sua presença de uma maneira a qual sentia saudades, pois desde que aquela pessoa se foi, nunca mais consegui sorrir. E veja-me agora! Sorrio toda vez que vejo aquelas orelhas peludas tremilicarem no ar, tentando reconhecer todas as ondas sonoras preenchendo o ambiente, variando de cantos de pardais até o tilintar da colher contra a tigela a qual batia a massa de panquecas.

Fluffly Blood • jjk + pjmOnde histórias criam vida. Descubra agora