Capítulo 3

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"Aquele que tem uma razão para viver pode suportar quase tudo."
-Friedrich Nietzsche.

Observava os pacotes dos mais variados tipos sanguíneos todos os dias afinco, eu era cativado pela complexidade do sangue, algo tão vital quanto o coração, pois sem sangue o que o coração iria bombear? Qual seria a função desse músculo se não bombear esse fluxo intenso de células para cada pedacinho compondo o corpo? A partir do momento que meu coração parou de bater, eu percebi a função vital de todas as pessoas, nada fazia mais esse órgão bater e desesperava-me, porque sabia que nunca mais sentiria euforia ou até mesmo alguma coisa além da angústia diária. Era tudo tão completo, o sangue tinha algo como um pequeno universo comprimido em microscópicas células, a qual possui pequenas funções, levando tudo para o funcionamento do corpo. Sou apaixonado pelo corpo humano, é tão interessante, complexo e instigante, sinto paixão por isso, talvez uma das únicas sensações que sou permitido sentir.

Pensar que tantas pessoas doavam sangue nessa época aonde o egoísmo e individualismo estavam em seus auges, faziam-me ter um pouco mais de esperança em uma sociedade melhor, entretanto, depois que nasceram os primeiros híbridos, a sociedade corrompida, a qual eu ainda tinha um pouco de confiança, transformou-se em uma população ressentida, cheia de ódio e repulsa contra seres semelhantes, mas com sua própria individualidade. Eu sentia pena, pena de todos esses corações amargurados, porque tive que ver tanto isso, dentro da minha própria vila e aldeia, até mesmo dentro de mim mesmo. Tantos anos os quais vaguei sem rumo com o ódio consumindo o resquício de humanidade que restava em minha alma perturbada, e eu sabia, tinha total conhecimento de que esse sofrimento seria eterno, pois esse foi o meu preço, pensei poder ser aquele o qual salvaria a todos, o que faria minha mãe chorar e bravar pelas ruas as palavras "meu filho é um herói", porém, precisei vê-la colocando flores em um túmulo que não era meu, a vendo chorar e debruçar-se em uma terra lamacenta enquanto indagava aos céus o porquê de terem levado seu fruto mais precioso. Quis tocá-la, dizer que poderia cuidá-la até seu leito de morte, cuidaria de seu jardim e revitalizaria a casa de minha infância, mas não podia. Ao invés disso, vagava pela floresta em volta, a olhando apodrecer e envelhecer a cada minuto que se passava, até o momento em que não senti dor ao vê-la morrer, mas sim um alívio, pois ela não teria o fardo da imortalidade como eu, desejei todo segundo a morte mais suave e calma a qual ela poderia ter, aliviando-me quando seu coração parou de bater e os pesares de sua vida, agora eram insignificantes.

Vi com meus próprios olhos aquela guerra ridícula acabar, na ingenuidade, acreditei que aquela seria a última, a objetificação de diferentes não se repetiria, porque imaginava a sociedade como um grande ecossistema que se adapta e evolui, um dia teria espaço para a diferença, pessoas vivendo em harmonia sem precisar fingir serem o que não eram, podendo fazer tudo o que lhes eram de direito. Mas isso tudo mudou quando pegaram aquela fatídica bolsa de sangue alterada, uma proteína fez uma mulher dar à luz ao primeiro híbrido, e como não fora apenas um tipo sanguíneo mutado, outras mulheres conceberam seus filhos mutantes. Lembro como foi segurar o primogênito dessa nova espécie, seu nariz tremia assim como as orelhas pontudas e felpudas, densidade capilar maior e a tonalidade branca. Chamei aquele e seus herdeiros de linhagem primordial, quase como uma realeza sanguínea, passada de gerações em gerações.  Passei anos pensando sobre eles, eram tão novos e eu simplesmente nunca fui atrás para descobrir mais sobre eles, talvez com todo o meu tempo de vida, eu realmente pudesse investigar mais. Sempre ouvi as notícias sobre como esses híbridos eram tratados, um filhote ômega valia muito dinheiro e eu nunca entendi direito o interesse nesses seres, eles são normais como qualquer um.

-Jeon, você é bem estranho. - Fico surpreso por ouvir a voz de Jimin tão cedo, tirando-me das minhas memórias, e até mesmo de meus devaneios, não poderia ter algo negativo sobre, deixavam-me melancólico pelo resto do dia. - Encara por tanto tempo a janela... Tem algo de novo? - Olho para as orelhas dele, pontudas... Seguro entre meu polegar e o indicador, notando algumas manchinhas brancas entre a pelagem preta. - Para! Faz cócegas. - Ouço o riso ressoar pelas paredes da sala, era um som confortável e até mesmo aconchegante. Se som tivesse uma aparência, o som da risada dele seria de um campo de lírio iluminado pelo sol, na hora dourada.

Fluffly Blood • jjk + pjmOnde histórias criam vida. Descubra agora