O contrato

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Juyeon estava com fome e cansado, não via a hora de chegar em casa naquela noite. Contudo, ainda precisava se reunir com o cliente que lhe propunha uma bolada caso ele concluísse uma boa investigação. Era bem tentador, o detetive pensava em todas as melhorias que podia fazer em sua agência caso sucedesse, quantas dívidas seriam pagas e quanto dinheiro ainda sobraria para si mesmo. Mas ele hesitou em sair do carro, contemplava com o muro alto e bonito do conjunto habitacional de luxo, imaginava quantos sanguessugas podiam morar ali, ou aqueles engravatados charlatões, corruptos. Era bem o estilo deles. Juyeon se imaginou prestes a receber uma proposta polêmica, contudo, mesmo assim escolheu sair do carro para apresentar a identidade através do leitor biométrico na portaria.

Se sentia exposto ali, por ser uma figura alta, meio intimidante e desconhecida, sabia que estaria sendo vigiado ao dobro. Com a autenticação de sua identidade, ele atravessou um grande jardim do conjunto habitacional, pensando na quantidade de pessoas que se amontoavam em apartamentos minúsculos para além de muros como aqueles. Já seu novo contratante morava em uma casa grande e moderna, no meio daquele extenso jardim. Juyeon precisou caminhar até a entrada, já que não permitiram a entrada de seu veículo "desconhecido". Apresentou a identidade novamente e a porta da casa se abriu sozinha. Uma voz cruzou os alto-falantes da sala de estar bem espaçosa e vazia "Estou no escritório. É a última porta do corredor, à sua esquerda", disse a voz aguda e meticulosa, fez Juyeon procurar pelas câmeras ali dentro; com certeza estava sendo observado. Logo ele seguiu até achar a porta do dito escritório, abriu e se deparou com uma figura esguia e meio pálida, sentada à escrivaninha principal.

- Choi Chanhee - o jovem de cabelos pretos vestia um paletó escuro com gravata preta, e usava um par de óculos de aro fino. Estendeu a mão magra para Juyeon ao se apresentar.

- Lee Juyeon. Mas com certeza isso já foi checado mais de uma vez - disse o detetive, falando sobre a própria identidade. Checava com o canto dos olhos se havia mais câmeras ali dentro quando aceitou o aperto de mão do outro e logo foi convidado a se sentar.

- Não se preocupe, são apenas medidas de segurança - Chanhee o observou com uma paciência fria e Juyeon relembrou que o jovem CEO ainda estava de luto.

- Sinto muito pela sua perda - Juyeon falou e o outro jovem ficou em silêncio, erguendo minimamente as sobrancelhas, parecia não saber o que responder. Em vez disso suspirou, farto e disse numa fala meio mecânica:

- Gostaria de saber se aceita a minha oferta para investigar a morte do meu irmão, Choi Donghee. Assim como já foi explicado por mensagem. Se gostaria de discutir seus termos, a hora é essa. - Não havia muita gentileza na voz dele, e ele parecia com pressa. Juyeon cruzou as pernas, observando com cuidado o rosto delicado do mais novo, apesar de sua expressão fria.

- Aceito. Se for possível que a sua entrevista seja a primeira a ser feita, de preferência agora. E gostaria também, se for possível, de ter apoio da empresa em minhas investigações, independente do alcance que ela abranja. É o que o meu contrato habitual pede. E querendo ou não esse crime está relacionado à reputação da empresa, não é mesmo? - O detetive era esperto, Chanhee hesitou um pouco. Juyeon retirou do bolso uma pequena caixinha de projeção e o documento holográfico surgiu dali - É um contrato de cooperação, afinal a investigação pode beneficiar nós ambos. Pode adicionar cláusulas, mas não pode mudar as que já existem. Assim podemos chegar em um acordo.

Chanhee pensou um pouco, esfregando a caneta contra a têmpora. Juyeon suspirou, não entendia qual a complicação. Então logo Chanhee moveu o teclado de seu escritório e adicionou ao contrato holográfico o valor a ser pago em três partes, contando com um pequeno adiantamento. Também adicionou as reuniões que ambos fariam para discutir o progresso da investigação.

- Satisfeito? - Chanhee disse ao concluir, finalmente assinando o contrato.

- Bastante - o detetive descruzou as pernas e se inclinou em sua direção, ativando o pequeno aparelho de gravação de voz e o deixando sobre a mesa. O CEO tomou fôlego antes do que estava por vir - posso fazer minhas perguntas agora?

- Certamente.

- Qual relação você tinha com Choi Donghee, seu irmão.

- Tínhamos uma relação amigável. Mas não éramos confidentes, eu e ele estávamos sempre trabalhando para manter a empresa.

- Vocês já chegaram a conversar sobre alguma dívida que ele teria, inimizades? Mesmo que fosse coisa pequena, como fofoca - Juyeon continuava a indagar, foi a vez de Chanhee de cruzar as pernas e apoiar o rosto na mão conforme o encarava.

- Como eu disse, não éramos muito confidentes - insistiu o CEO. Juyeon continuava a gravar seu jeito calculista na memória.

- Mas de certa forma, era a pessoa mais próxima dele?

- Em termos familiares, sim. Mas ele também tinha contato com nossos tios e com nossa mãe...

- Como foi a última vez em que você o viu?

- Ele estava ansioso, falou que precisava resolver um problema burocrático na Prism, me pediu acesso do banco de dados que eu mantinha no setor de logística. Isso é comum de acontecer, Donghee sempre foi cauteloso com a segurança dos bancos de dados, checava todo mês. Mas nesse dia ele não me mandou nenhuma mensagem, e a polícia já checou nossos celulares, se quer saber. Eu apenas não sabia que ele iria tentar passar na casa da nossa mãe...

O olhar de Chanhee ficava cada vez mais vago enquanto ele falava. Juyeon sentiu o coração apertar, mas se manteve focado. Lembrava que o irmão de Chanhee havia sido assassinado perto da casa de sua mãe, com três tiros no peito.

- Havia alguém que sabia que Donghee ia para a casa da sua mãe? Ele ia lá com frequência?

- Não e não - o semblante de CEO voltou a ter um aspecto irritadiço conforme ele ajustava o óculos no rosto, e Juyeon só pensou em como queria muito ir para casa - Isso foi uma eventualidade, todos na família se chocaram, pois a mãe não recebe muitas visitas dele. Eles não se davam muito bem já faziam meses... Dois gênios complicados.

- Alguém próximo de sua mãe mais que Donghee era?

- Eu e o tio Woosuk.

- Tem alguém de quem você suspeita, mesmo que um pouco?

- Não, e eu gostaria de ter essa vantagem já que todos suspeitam de mim, por estar no lugar dele agora - o Choi falou, havia um leve fundo de raiva em sua voz, ele parecia se conter ao máximo. Seus lábios eram constantemente umedecidos, fazendo Juyeon passar a desconfiar de suas ações numa questão de segundos. Então o mais baixo continuou - Isso está passando dos limites, as ações estão caindo e me sinto impotente, sei que é por conta da nossa reputação.

- Certo... - Juyeon assentiu e olhou para o relógio na mesa - Havia algum setor de produção de sua empresa que Donghee era mais "responsável", que outros?

- Definitivamente o Laboratório de Programação. O "Cérebro", como ele costumava dizer.

- Certo. Por hoje é só - anunciou Juyeon, pegando o gravador de voz da mesa e guardando no bolso do sobretudo que usava, junto do documento assinado. Ele sabia que poderia encontrar mais informações específicas com seus contatos na polícia. Choi Chanhee relaxou os ombros antes de se levantar e acompanhar Juyeon até a porta de entrada. Antes que fosse, o mais baixo se permitiu se aproximar mais um pouco que o usual conforme tirava do blazer o envelope com o código-cheque do dinheiro do adiantamento. Deixou sobre a mão de Juyeon e o olhou nos olhos enquanto a porta ao lado dele abria.

- Não faça nenhuma merda - A voz de Chanhee podia ser aguda e contida, mas ainda era poderosa. Por um instante sua frase pareceria uma ameaça, mas Juyeon sabia que podia ser insegurança, raiva, ansiedade, uma dúzia de coisas ao mesmo tempo. Sorriu para ele, meio sacana e colocou o dinheiro no próprio bolso, satisfeito com o volume generoso de dinheiro que aquele cheque produziria.

- Boa noite para você também, Sr. Choi.

Assim, Juyeon se virou e partiu, de volta a noite sombria da metrópole, dirigindo o carro entre os arranha-céus. Estava um tanto incomodado pelo novo caso, mas ao mesmo tempo tinha curiosidade pulsando nas veias, era algo que não lhe acontecia a muito tempo.

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