O código mental

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Um silêncio mórbido se instaurou no banheiro, exceto pelo barulho das gotas vazando na pia. Parado diante de Haknyeon, Kevin sentia seu sangue congelar e uma bagunça de pensamentos lhe atingirem como um forte tornado; enquanto isso a voz de sua consciência o julgava por ter sido tão burro desde o princípio.

Lembrou-se do primeiro dia, quando foi convocado a trabalhar na nova pesquisa envolvendo inteligência artificial proposta pelo falecido CEO. Era seu maior sonho até então, visto todo o trabalho relacionados ao assunto que esteve desenvolvendo, portanto Kevin sentiu uma enorme felicidade, mesmo quando seu amigo de profissão, Haknyeon, não fora convocado para estar no núcleo criativo do projeto. Permaneceu confiante mesmo quando foi privado temporariamente de contar sobre a experiência para qualquer outra pessoa.

As primeiras tarefas foram de decodificação. Donghee apareceu no laboratório privado com uma grande caixa, que mais parecia um HD. O Choi disse para Kevin que ele e seu tio já tinham criado um sequenciamento digital tão complexo que era o mais próximo que um banco de dados poderia chegar de um cérebro humano. Kevin quis abrir o HD e examinar a sua construção, mas Woosuk gentilmente o impediu.

“É uma peça muito frágil, Sr. Moon, não podemos arriscar perdê-la” disse o tio do antigo CEO. Então Kevin o conectou a peça aos outros computadores e iniciou a codificação, para que aquele sequenciamento tomasse uma forma digital; no segundo dia Woosuk trouxe do departamento de engenharia a carcaça de um droide para que juntos, os três pudessem terminá-lo e criar a primeira inteligência artificial da história, foi o que disseram para Kevin. 
O corpo do droide recebeu um dos melhores acabamentos já vistos por todos os cientistas ali. Cada detalhe, dos seus múltiplos e brilhosos fios castanhos até os contornos suaves e curvos de seu rosto. Apenas vê-lo abrir os olhos pela primeira vez foi animador para Kevin.

Contudo o mais jovem dos cientistas ali achava que havia algo errado; a começar pelo comportamento incomum de Donghee, principalmente nas fases de codificação, quando eram criadas diversas simulações onde aquela consciência atuaria de forma virtual antes de ser “instalada”. O CEO se encontrava nervoso durante o processo, muitas vezes precisava se retirar da sala para beber água ou ir até a cafeteira tomar ar livre.

Logo aquela mesma tensão aumentou, e o Choi e seu tio passaram de gênios companheiros para meros colegas de trabalho, soltando farpas um contra o outro a cada erro processual; e Donghee era o mais bruto, falava alto como se o outro nunca fosse lhe escutar. Eles discutiam em códigos, ditavam coisas que só eram entendidas entre os dois, e Kevin, um pouco decepcionado por estar passando por aquilo, escolheu não se meter. Queria apenas que o trabalho fosse feito e que terminassem.

Quatro semanas árduas se passaram daquela forma, mas na última o C-B43 já estava “vivo” no pequeno laboratório e seus traços de personalidade já se manifestavam livremente, através das suas funções cognitivas. O droide tinha visão, olfato, tato e audição funcionando de forma perfeita, assim como sua capacidade de aprendizagem em qualquer programação. Foi Kevin que se disponibilizou para testar o comportamento do droide conforme ele passava pelas primeiras experiências de personalidade. O Moon esteve animado demais com seu novo “amigo” que mal notou que a presença de Donghee no laboratório era cada vez menos frequente. 

Por que ele não se sentia orgulhoso? Não estava ansioso em terminar com eles a criação mais inovadora? Os três provavelmente venceriam o prêmio Nobel de Tecnologia assim que o mundo soubesse.

Mas houve uma semana em que o CEO surtou, ordenou que desfizessem tudo ou ele os “acusaria”. Kevin se recordou de ser a pessoa mais confusa na sala enquanto Woosuk se levantava da cadeira e discutia com Donghee mais uma vez. Muitas perguntas surgiam e o Moon queria fugir de todas elas. Porque não o deixavam inspecionar o HD? Porque Donghee se recusava a testar o droide sozinho?

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