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Harry se mudou para aquele apartamento quando completou 22 anos. Tinha acabado de concluir sua faculdade de letras e poderia trabalhar de forma remota como tradutor de manuscritos e escritor. Assim que recebeu sua pequena herança dos avós maternos, buscou um bairro calmo de Londres e comprou o apartamento, reformando da forma que queria e trancando-se lá. Faz três anos que ele não sai do prédio em que morava.

Quando tinha 10 anos foi diagnosticado com Sociofobia e Transtorno Obsessivo Compulsivo. Com 15 anos decidiu que iria, assim que possível, trancar-se em si mesmo. Começou a trabalhar cedo, guardando todo dinheiro que conseguia. A mesada dos pais, o pequeno salário que recebia trabalhando como balconista em uma padaria, os extras que acabava ganhando trabalhando como babá nos fins de semana, o dinheiro que lhe era dado de presente de aniversário ou para comprar roupas novas. Fazia trabalhos da escola por alguns trocados, e tudo foi guardado a sete chaves. Quando entrou para a faculdade com bolsa integral logo encontrou um emprego em tempo integral e continuou morando com os pais durante todo o curso, buscando economizar o máximo possível.

Quando seus avós morreram - de velhice, com um fim bastante tranquilo - e deixaram uma pequena quantia para o neto e fora o bastante para que Harry finalmente comprasse seu refúgio e se isolasse.

Ele não é infeliz, na realidade. Nem mesmo odeia pessoas ou teve uma má criação. Sua mãe é amorosa e seu pai foi bastante presente durante sua vida, mesmo não morando na mesma casa. Tinha uma irmã mais velha que gostava muito e nunca teve problemas na escola, ia muito bem na realidade. Apenas não suportava a ideia da convivência social. As várias regras de conduta e normas que se deve seguir, agir normalmente para não ser julgado, seguir todas as linhas infelizes, o futuro já designado, apaixonar-se, se casar e dar bons netos aos seus pais.

Não, não é algo para Harry.

Harry se sente feliz em estar sozinho. Ele recebe suas compras em casa, entregues pelo gentil porteiro do prédio, que todas as quintas-feiras deixa as sacolas na frente da porta do garoto exatamente às 15h, após bater três vezes para avisar que deixou as coisas lá. Toda quinta ele deixa um bilhete de "bom dia" para Harry, em resposta ao post-it colado na porta dando bom dia com a lista de compras - eram sempre as mesmas coisas, todas as semanas, mas ele sempre fazia questão de deixar a listinha lá.

Harry se sentia feliz com sua rotina. Acordava cedo todos os dias para ver o sol nascer, enrolado em seu edredom e tomando sempre um chá de melissa para começar seu dia calmo. Colocava comida para o gato e limpava a caixinha de areia.

Trabalhava das oito horas em ponto até às onze, onde fazia a pausa para o almoço, e voltava a trabalhar meio dia até às seis sem parar. Fazia outro chá e via o sol se pôr. Limpava mais uma vez a caixinha de areia e trocava a ração do gato, lavando o potinho dele sempre que fazia isso.

Cozinhava ao som de alguma música calma e jantava assistindo o noticiário local em seu notebook, às 8hs da noite.

Tomava um longo banho, secava seus cabelos longos com o secador, passava um creme de baunilha por todo seu corpo, se deitava com White e lia até dormir.

Cada dia da semana era separado também para algo relacionado a sua existência trancafiada. Segundas, quartas e sextas eram dias de faxina, onde Harry limpava minuciosamente todo o pequeno cômodo. Nos domingos separava toda a roupa suja e lavava a mão antes de colocá-las na máquina, separadas por cor e estilo. Todos os dias com terminação oito eram os dias em que sua irmã, Gemma, sacava uma quantia para que Harry pudesse pagar seus pequenos companheiros em suas rotinas e deixava na caixa de correio do cacheado, que buscava durante a madrugada, em um horário que não precisaria interagir com ninguém.

Terças, quintas e sábados eram os dias em que, após o trabalho, Harry assava algo e sentava em sua varanda, com uma taça de vinho, e ligava por Skype para sua irmã, sua mãe e seu pai. Nas terças eram Anna Twist, nas quintas Gemma Styles e nos sábados Des Styles. Passava sempre algumas horas jantando e conversando com eles, sorvendo um bom vinho enquanto ouvia as mulheres de sua vida falarem as novidades em sua vida e comentarem sobre as coisas que aconteciam no mundo com seu pai, ele sendo o motivo do garoto sempre acompanhar o noticiário.

Nenhum dos três nunca comentaram sobre a reclusão do caçula, respeitando sua decisão.

Harry era feliz assim.

Era o que ele acreditava.

Tinha paz, trabalhava, pagava todas as suas contas, ainda conseguia guardar um bom dinheiro, economizando em coisas desnecessárias e se sentia satisfeito.

Era o que ele achava, até que tudo desmoronasse na tarde de uma quinta-feira.

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