Capítulo 22

4.2K 358 29
                                    

Porque a chuva deixa principalmente um enterro tão depressivo? É para terminar de foder com o psicológico dos presentes! Ela era amada, tem mais de quarenta pessoas, todas em baixo dos guarda chuvas com olhar triste e sussurrando o quanto ela era querida. Mas isso me causa um desconforto horrível, duvido que a maioria a conhecia direito, boa parte veio por curiosidade e prestar suas falsas condolências.

O pastor termina a oração e a minha amada Pulguinha é levada dentro de um caixão para a escuridão da terra, acredito que ela possa conhecer o paraíso, diferente de mim. Fomos separados, não tenho muita chance de encontrá-la novamente. Por mais que eu deseje isso.

O multidão de pessoas se afasta e eu fico levando chuva e encarando a lápide com uma dor agonizante penetrando meu coração. Quero gritar até desmaiar, mas seria em vão, isso não vai trazê-la de volta.

Uma mulher se aproxima de óculos escuros, vestido preto e guarda chuva fumando tranquilamente, em outro momento a beleza seria chamativa mas alguns traços me lembram a Pulguinha.

-- Enterros são entediantes, não acha?

A encaro confuso.

-- Está surpreso porque a mãe da falecida não está em lágrimas e gritando desesperada?

-- Na verdade sim. A senhora é Diane Pollref?

Um sorriso estranho percorre seus lábios pesados de batom.

-- Eu mesma. E você seria o Dofiano, aquele que encantou a minha Eli.

Contenho as lágrimas que sinto arder por trás de meus olhos.

-- Ela me falou muito sobre você rapaz. Sempre mandava mensagens mesmo que raramente eu respondesse e toda vez estava feliz. Isso me deixa aliviada.

Essa mulher é curiosa, a filha foi enterrada e ela parece nem mesmo se importar. Não gostei dela.

-- A maioria das pessoas que vieram são uns idiotas curiosos achando que podem consolar a mãe desamparada com cantadas e propostas de sexo.

Continuo a encará-la e percebo suas mãos tremerem levemente.

-- Quer saber o motivo de eu não chorar por esse corpo enterrado?

-- Realmente não me interessa.

Ela ri baixinho e traga o cigarro soltando a fumaça logo depois.

-- Entendo sua raiva, mas tem um motivo que me deixa esperançosa, senhor Dofiano. Esse corpo não é da minha filha.

Por um momento meu coração se enche de esperança, essa idéia absurda parece ser tão convincente.

-- Porque a senhora acha isso?

-- Acredita em intuição materna senhor Dofiano?

A encaro mais confuso ainda, mas sei o que é isso, minha mãe tinha essa tal intuição. A maioria das mães tem.
Confirmo com a cabeça mesmo que ela não me encare.

-- Então senhor Dofiano, eu tive isso na noite antes do acidente. Foi um sonho tão horrível que não consigo lembrar, mas sei que tinha haver com a minha Eli.

Fico em silêncio sentindo a chuva engrossar sob os meus ombros e cabelos.

-- Sei que não posso receber o prêmio da mãe do ano, mas consigo claramente reconhecer a minha filha, o corpo que mostraram no necrotério não era da Eli!

Ela se exalta tira os óculos mas suspira profundamente e tenho a atenção de seus olhos.

-- Senhor Dofiano, me diga, você amou a minha filha?

Não hesito e com a mais pura determinação encaro seus olhos, as íris são mais escuras que a da Pulguinha.

-- Sim. Eu a amava com todas as minhas forças.

-- Amava? Porque tem certeza que ela está morta?

Ela tem um brilho de esperança e acabo olhando para a lápide com o nome gravado, essa é minha certeza.

-- O nome dela pode estar ai, mas o corpo não é da Eli. Por favor senhor Dofiano, acredite na esperança da mãe da garota que você ama.

Sinto um arrepio mas não foi causado pela chuva que agora molhou completamente meu corpo.
Algo nessa mulher me deixa esperançoso, talvez ela tenha razão, talvez esse corpo não seja da minha Pulguinha, talvez ela esteja bem...mas perdida em algum lugar dessa porra de cidade. Ou sequestrada. Essa idéia me deixa furioso, quem seria o filho da puta que achou interessante levar a minha Pulguinha? Fiquei motivado e completamente revigorado!

-- Então? Acredita em mim?

A encaro com um estranho sorriso.

-- Até que faz sentido. Mas como pode ter certeza senhora?

Seu olhar parece indignado e novamente perde a compostura.

-- Porra! Eu me arrependo por não ter ligado no dia que tive o sonho. Droga, ela sempre foi amável e gentil, nem parece a minha filha! Se eu for útil para ela uma única vez que seja agora!

-- Senhora...

-- Escute rapaz, você fez a minha Eli muito feliz. Ela parecia reluzente a cada mensagem. Então Dofiano, se a minha intuição estiver certa se houver uma única chance da minha Eli estiver viva, não vou parar até achá-la.

Sua determinação me surpreende ainda mais quando ela está pronta para chorar. Realmente essa mulher é a mãe da Pulguinha.

-- Vou ajudá-la então senhora. Vamos descobrir a verdade!

Ela sorri e volta a colocar os óculos.

-- Vamos sim. Bom preciso ir, vamos manter contato senhor Dofiano.

Ela começa a se afastar, mas algo a faz me encarar uma última vez.

-- Senhor Dofiano, por acaso a Eli tinha mais contato com outros rapazes?

-- Acredito que não.

Tenho total certeza que não, a Pulguinha era fiel a mim.

-- Bom então, quem eram aqueles dois?

Como assim? Ela percebe meu olhar confuso.

-- Tinha dois rapazes acompanhando o enterro de longe, um era alto moreno com uma tatuagem no pescoço o outro parecia forte e ficou com a cabeça baixa o tempo todo. Conhece?

Tatuagem no pescoço....FILHO DA PUTA!

-- Sim...eram nossos...conhecidos.

Não consigo disfarçar a raiva na voz, se aquele desgraçado tem algo a ver, eu vou me divertir tanto acabando com ele, agora por dois motivos óbvios.

-- Entendo. Tchau senhor Dofiano.

Levanto a mão em despedida e a outra lateja, pequenas filetes de sangue começam a manchar a atadura. Fiquei tão puto da vida que apertei o ferimento até voltar a sangrar.
Agora realmente preciso caçar aquele desgraçado, vê-lo sangrar.

-- Chefe, está tudo bem?

Jonny se aproxima e misturado com a chuva o sangue da minha mão escorre.

-- Precisamos tratar desses cortes, vamos até o hospital.

Isso me dá uma idéia, posso pegar o laudo médico do corpo para examinar.
E dividir as esperanças aos três vai ser para encarar os olhares de preocupação, mas são as pessoas em quem mais confio.

-- Diego vamos procurar o maldito Bob.

-- Senhor Dofiano não é-

-- Eu sei, eu sei. Vou explicar para vocês, pode ser loucura ou delírio mas a minha Pulguinha não morreu.

Desista Ou NuncaOnde histórias criam vida. Descubra agora